16 anos. Olhos azuis. Corpo frágil. Voz meiguinha. Ar sonhador. Quer ser artista e educadora de infância. Agora talvez enfermeira.
Carminho dorme no quarto do IPO, mas hoje os seus olhos movem-se mais por baixo das pálpebras fechadas. Querem que elas se abram, que seja manhã, que seja amanhã muito depressa. como fazem as crianças na véspera de Natal.
No seu "rapid eye movement", sonha com saídas à noite, com primeiras bebidas e primeiras experiências, sonha com o Rafael, o rapaz bonito que se sentava ao seu lado na Escola, com a Escola que detestava e agora almeja, sonha com uma tarde de verão passada à beira rio, sonha com a Universidade, sonha com uma festa de família na quinta, com os primos todos e o avô a dar-lhes banho de mangueira no quintal, sonha com os cães, sonha com a praia.
Antes de ir dormir o médico deu-lhe a boa nova que as análises estavam boas e que esta, à partida, seria a sua última dose de quimioterapia. Que no dia seguinte podia ir para casa.
Carminho não sabe se está mais feliz pelo fim do suplício, dos tratamentos que a põem gorda e careca, dos exames muito dolorosos, de ter de usar quase sempre máscara, de vomitar, de ter as unhas esfareladas e impossíveis de pintar. ou se está mais feliz pelo novo fôlego que a sua vida agora vai tomar. (porque aquilo que sente é exactamente isso: que agora pode respirar de novo, de peito cheio. e bebe o ar às golfadas.)
Mas de uma coisa tem a certeza: ninguém a pára agora que o mundo é seu, todo seu para conquistar.
E ela sente-se bem.
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