segunda-feira, setembro 13, 2010

Sapo

Olhou-o como fazem as mulheres quando sabem que têm poder absoluto sobre um homem. e tocou-o intencionalmente com a palma da mão de forma prolongada no ombro enquanto empurrava levemente o peso do seu corpo até o fazer roçar.

Adalmiro estremeceu e sorriu, rendido como sempre. Lançou-lhe um ar apaixonado e disse "então como queres fazer? De certeza que não preferes antes ir dar uma volta de carro?"

Respondeu de forma afectada e teatral "Sotôr! Por quem me toma! Você sabe que eu não faço nada dessas coisas!"

"Não fazes, mas bem podias fazer. E olha que eu levava-te ao céu."


À ideia de Adalmiro vinha sempre a inocência, encanto e profundidade da obra de Exupery "O Principezinho", quando sentia o seu coração bater daquela forma inusitada, perante a sua presença.

Suspirou. Sentia-se sempre um pouco tonto, a cabeça mais leve quando estavam juntos, e uma sensação de felicidade tão grande, que era difícil de explicar. O seu coração batia tão de força e com tanto ritmo que se tornava difícil prestar atenção a mais o que quer que fosse. mesmo à conversa.

Mas sabia que a relação era impossível. Que não era correspondido. Achava que isso se devia ao facto de ele ser "um sapo". e que os sapos, digam o que disserem as histórias infantis, não se misturam com a realeza.


Um dia, ao passar pela porta do supermercado, Adalmiro viu, mas não quis acreditar. As mesmas mãos que o roçavam provocadoramente em contextos públicos, a enxotar uma pedinte estrangeira com despeito cru, ódio até.

Incrédulo e seguro de que vira mal, mas ainda em choque, o coração de Adalmiro parou por um momento.

Nesse momento, o cérebro de Adalmiro assimilou o que ouvia, sem a confusão sinfónica do batimento cardíaco.

O coração de Adalmiro bateria cada vez mais baixinho e devagar, à medida que as palavras entravam perfurantes como facas de cristal na sua cabeça nos meses seguintes. Palavras negras de intolerância, xenofobia, soberba e falta de compaixão e humanidade. Contos de vinganças mesquinhas, de humilhações alheias. De ódio. de superioridade perante todos e de poder absoluto e mesquinho. De maldade.

Até que um dia, Adalmiro olhou Carlos como se o vira pela primeira vez. E finalmente percebeu: "ele acha-se um príncipe, sem se dar conta que não passa de um sapo."

Mas não se deu conta que aquilo que tornava a relação de ambos impossível se mantinha, porque o inverso era também verdade.


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