Desce pesada as escadas a pé. Reclama do elevador, que cheira mal, que não funciona, que o Sr. Joaquim que é o administrador do condomínio devia fazer alguma coisa sobre o assunto, mas não faz.
"Sabe, menina", diz-me ela muito séria, "anda meio perdido, a cabeça dele anda cheia. Parece que se está a separar da mulher".
Guilhermina Cruz é uma mulher de cerca de 60 anos, viúva, cristã praticante. Tem dois filhos, Justina, de 42 anos, com quem está zangada há meses e de quem tem duas netas e Adalmiro, de 38, divorciado, que vive com ela. Tem um ar dócil e determinado e vive no prédio há mais de 30 anos.
Ajudo-a com os sacos e descemos para a rua.
"A menina está bonita."
"Obrigada, D. Guilhermina. A senhora também."
"Está sozinha no seu andar?"
"Estou. Porquê?"
"É. Uma das vizinhas casou há pouco e está-se a mudar. Era já o que se chama uma "solteirona", casou e vai viver com o marido, um rapaz novo, trabalha nas finanças."
Esperamos pelo autocarro.
"Ia com estes sacos tão pesados por aí adiante, D.Guilhermina?" pergunto em tom de reprovação. "Tem de ter cuidado consigo."
"Ia, menina, tem de ser. O meu filho é uma jóia de moço, e ele que não sonhe que eu ando assim com pesos. Mas eu preciso mesmo de fazer uns recados e ainda vou podendo."
"A menina trabalha em quê?"
"Eu estudo, D. Guilhermina."
"Ah, mas não é como a outra estudantada que para aí anda. É atinadinha. Já tivemos muitos problemas no prédio por causa de uns jovens que moravam no 2.º andar. Era festas todos os dias. Tivemos de chamar a polícia algumas vezes. Uma pouca vergonha. Muito bem..."
Chega o autocarro e ela sorri abertamente enquanto se senta no lugar mais perto de mim e me conta das suas peripécias de quando era mais nova, de como protege o filho, seu orgulho e glória, e de como ele a trata bem. Pena que esteja sozinho. Como ela queria uma nora que garantisse que ele ficaria bem cuidado depois de ela morrer!
Chega a paragem dela e sai, depois de se despedir de mim com entusiasmo.
A D. Guilhermina é uma mulher perspicaz e hábil. Percebe as subtilezas do ambiente que a circunda pelos indícios mais pequenos e é inteligente ao ponto de se fazer subestimar para assim ter acesso a mais informação.
Sorrio com a satisfação que demonstra ao contar-me as cusquices apimentadas, rejubilando com as novidades que me dá a mim, que pareço vinda de outro planeta e nunca sei de nada.
E de como sempre faz campanha sobre o filho quando me vê. À medida que a vejo afastar-se, pergunto-se se de todo não se apercebe, se apenas finge não saber, ou se está em negação.
É que o filho da D. Guilhermina é gay.
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