quinta-feira, setembro 26, 2013

Francisca

(Para a Francisca e o miúdo)


“Fránscisca! Ánda verr como eu me porrto bém!” – o miúdo agarrava na mão dela como se lhe pertencesse a ele e levava-a sem cerimónias e sem lhe perguntar se se importava para a sala dos mielogramas, com a sua alegria e o seu sotaque angolano.

Deitava-se de lado enquanto lhe faziam a punção lombar, fugia-lhe uma lágrima (bandida! E ele que queria ser tão corajoso que nem uma gota lhe saísse!) e ele apertava a sua mão.

“Viste, viste como eu me portei bem?” – sem se incomodar com o facto de o procedimento médico ser chocante para qualquer pessoa fora da área da saúde. Provavelmente, sem sequer pensar nisso.

O miúdo adotou-a, pegou na alma dela e colou-a na dele com um adesivo mais forte que super cola 3 e com a sua inocência de criança juntou as suas vidas e os seus destinos de uma forma mais profunda do que ela alguma vez imaginou.

Era ela que o visitava, mas era ele que lhe soprava uma brisa suave de cada vez que sorria, e lhe engrandecia o coração com a sua gargalhada aberta.

E se era ela que lhe segurava na mão, era ele que a apertava.

O miúdo era isso mesmo, um miúdo. Puro, inocente, vivo. Esperto e engraçado. E bonito, com a sua pele cor de chocolate quente e o seu cabelo de carapinha, olhos negros e voz rasgada.

Daquela maneira pura e desabrida, amava as pessoas que se cruzavam no seu caminho, mas especialmente a sua Francisca. A Francisca, por seu turno, como dizê-lo de outra forma? Era dele.

A sua relação inesperada, simbiótica e tão bonita, de miúdo que, com a mãe a milhares de quilómetros, quase sozinho e muito doente, sabiamente escolhe alguém com o coração do tamanho de uma casa para o acompanhar na esperança (e depois na ausência dela) só pôde acontecer porque claramente ambos se reconheceram como iguais.

Dois corações grandes como duas casas, dispostos a partilharem alegrias e tristezas e a partirem, quando enfrentassem a inevitável despedida.

O miúdo partiu, com a sua Francisca a acompanhá-lo até ao fim. A sua Francisca ficou.

No coração-casa da Francisca há para sempre um quarto com o nome do miúdo. E eu desconfio, que no coração-casa do miúdo, também há para sempre um lugar muito especial para a sua Francisca.