sexta-feira, setembro 10, 2010

Romeu

Ele era poesia, ela era concretização.

Ela era obsessiva e controladora. Anotava mentalmente cada uma das suas falhas para lhas cuspir na cara num momento de discussão. Tinha a mania das caixas e das limpezas. Queria tomar todas as decisões das suas vidas, sozinha, embora encobrindo com uma capa de "O que é que tu achas, Romeu? Eu acho que....", sem pausa para respirar. Usava-o como um artefacto a gabar perante os outros, a corrigir, reparar e polir em particular.

E no mais íntimo da sua alma, ele percebia isso.

Começaram a namorar quando tinham 16 anos e o que começou num namorico inconsequente de secundário viria a derivar numa relação duradoura de mais de 10 anos e possivelmente de toda a vida.

Romeu era sensível e bondoso. Era bonito e inteligente. Era paciente e poderia ter sido feliz com quase qualquer pessoa porque era uma daquelas pessoas raras com a capacidade de se adaptarem a quase toda a gente e lhes tolerarem as manias.

Aprendeu com ela a fazer contas a tudo, incluindo às pessoas, a notar quem lhe ligava no aniversário, quem lhe dava um presente e o que isso custava, mas não o fazia por hábito. Aprendeu a não tomar decisões, porque quando não eram as opções dela custavam-lhe a sua tranquilidade e vinham-lhe invariavelmente bater na cara em lembretes periódicos em qualquer conversa independentemente do contexto. Adquiriu o hábito de pensar a longo prazo e de se ajustar aos planos alheios. Aprendeu a conformar-se com a vida. Aprendeu que não tinha capacidade de fazer as coisas concretizarem-se, a menos que fosse à boleia da da capacidade dela de executar coisas. Ela que tomava conta dele e que se assegurava que ambos estavam protegidos e tinham um futuro.

Lá no fundo, no fundo, também sabia que isso não era exactamente verdade. Mas que importava?

A vida era o que era e ele não estava arrependido. E 15 anos é muito tempo. Ele não precisava das suas asas, tinha as dela. às vezes assaltava-o a ideia de estar a deitar fora a sua vida e os seus sonhos. E nessas alturas embalava a ansiedade com a verdade irrefutável que já não sabia viver sem ela ou sem a vida e os planos elaborados para o longo prazo que ambos executavam escrupulosamente como se fosse uma obra de engenharia.

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