quarta-feira, setembro 29, 2010

Jaime

Esperou por ela lá fora, apesar de estar frio e de ele estar de t-shirt. O vício do tabaco que ele deixara novamente continuava a ser seu amigo porque continuava a dar-lhe um pretexto inócuo para as conversas a sós que lhe permitiam os momentos de intimidade (ainda que platónica) porque ele tanto ansiava com Célia.

Jaime não era um homem romântico. Era uma daquelas pessoas a quem vida deu tantos encontrões que a dolência era o seu estado natural e não esperava dos outros mais do que companhia: sabia que podia contar consigo e consigo apenas. Era pragmático e racional. Não tinha esperanças sobre a sua realização pessoal em termos amorosos, mas não era por isso que deixava de tentar. Por uma questão de pensamento lógico e probabilístico: quanto mais tentasse maior era a sua probabilidade de algum dia acertar. E sempre ia "mandando umas".

Sentou-se na cadeira de plástico e deixou-se maravilhar secretamente pelo espectáculo que era aquela pequena e delgada mulher. Quase preferia não intervir nas conversas para poder aproveitar e usufruir de cada gota de inteligência, humor e sarcasmo do seu discurso, cada movimento gracioso, cada sorriso, cada toque ainda que ao de leve.

Via-lhe as qualidades tão claramente como os defeitos. e gostava de tudo.

Gostava tanto da sua competitividade desproporcionada como dos caracóis dos seus cabelos. Gostava tanto da sua capacidade de análise e comentários sempre em cheio como da sua aparatosa falta de tacto.

Célia, infelizmente, não era nem poderia nunca ser sua.

Ah, Jaime lamentava este facto tão profundamente! Ter a pessoa certa ao alcance da mão, da voz, do olhar e não poder chegar-lhe. Saber que se sentia tão vivo na sua presença e não poder prolongar para sempre essa sensação.

Sentia-se revoltado e traído - mais uma vez - pela vida e pela sua sorte madrasta.

Mas enquanto trabalhassem juntos poderia sempre servir-se do seu estatuto de colega simpático e amigo de ocasião para continuar a tê-la na sua vida e para sorver cada gotinha da sua essência que lhe fosse dado conhecer.

E era este facto, muito mais que o factor económico que faziam as noites em claro de Jaime quando se lembrava que o seu contrato acabava em menos de um mês e ainda não se sabia se ele iria permanecer na empresa. Mas que provavelmente não.


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