domingo, setembro 12, 2010

Júlio

Sismou com ela porque lhe lembrava uma outra mulher e também se chamava Marta.

Júlio era um homem zangado, frustrado com a sua vida. Achava-se mal empregue, achava que não lhe davam o devido valor, que o que fazia valia muito mais do que lhe pagavam e lhe reconheciam. E era contra o sistema. Tinha uma palavra a dizer sobre quase todos os assuntos que lhe lançassem mesmo sem querer. Sentia-se uma boa alma num mundo de cabrões, mas estava disposto a morder um pouco de volta.

Com as mulheres o seu charme advinha em parte da forma segura e mesmo algo convencida com que dizia uma série bem treinada de argumentos contra e a favor vários assuntos, nomeadamente "as mulheres", "a Igreja Católica", "a Economia Mundial", e "a Vida em geral".

Defendia as suas opiniões apaixonadamente e estava habituado a que, apesar de a sua aparência não ser propriamente muito estética, as mulheres não fossem capazes ou não quisessem discutir com ele e que em relativamente pouco tempo sucumbissem ao seu arrebatamento e audácia.

E "as mulheres" eram um assunto acerca do qual Júlio tinha várias teorias que defendia de forma altiva e segura.

Sismou com Marta Pinheiro naquela noite porque tinha o cabelo da mesma cor que a Marta que conhecera em tempos tinha, com os mesmos caracóis. E foi claramente uma sisma, porque quando chegou à discoteca Júlio já tinha uma loira mais ou menos fisgada, que "andava a cozinhar em lume brando". Mas aquela tipa chamava-se Marta e tinha uma figura e altura relativamente semelhantes à que lhe tinha "ficado atravessada".

Pagou-lhe uma bebida e percebeu que ela já estava muito bêbeda e um pouco drogada. Tentou conversar um pouco com ela, (inconscientemente?) à espera que ela o frustrasse e expusesse as suas estratégias e os buracos nas suas teorias como fazia a outra, sem dó nem piedade e rindo-se na cara dele.

Mas naquela noite Marta Pinheiro não estava em condições de discutir nada. Em pouco mais de uma hora dirigiam-se ao carro dele. E vinte minutos depois estava quebrada a magia. Deu por si a reforçar a sua teoria de que na verdade as mulheres querem é alguém que as use e que lhes mostre autoridade, que essa treta de igualdade, libertação e feminismo era tudo uma grande fachada e que no fundo, no fundo, elas queriam era alguém que as protegesse e tomasse conta delas, de forma não muito diferente das crianças ou dos cães.

E de repente sentiu uma certa repulsa e uma grande vontade de ir para sua casa, tomar um banho e dormir sozinho na sua cama de solteiro. Limpou-se e foi fumar um cigarro para perto do capô do carro, à espera que "a gaja" se arranjasse para poder ir embora.

Acabou o cigarro e pisou-o, expirando o fumo pelo nariz. Ela ainda não tinha saído.
Abriu uma das portas da frente e perguntou "se estava tudo bem", como quem pergunta "porque é que ainda não saíste". Ela disse que sim, mas que estava um bocado mal disposta. Ponderou se a levava a casa, mas achou que não lhe apetecia de todo estar mais 15 minutos que fosse perto dela. Estava cansado e queria ir dormir. Ajudou-a a chamar um taxi e foi-se embora com a boca a saber a amargo. e o pensamento que se Deus existe é um cabrão pior que os outros todos porque não só o fez amar uma mulher que era uma cabra, como ela lhe deu com os pés depois de lhe dar falsas esperanças, como ainda a seguir foi meter aquela puta no caminho dele para ele se lembrar da primeira e lhe atormentar o juizo com a ideia da gaja que ele não comeu e não agarrou apesar de tudo o que investiu nela. e do que estava disposto a abdicar e mudar por ela.

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