quinta-feira, setembro 23, 2010

Nina

 "Chocolate ou café? Chocolate, Marieta, que amarga já é a vida o quanto baste."

Sentou-se na cadeira da cabeleireira e ficou imóvel enquanto sentia a fria tinta de cabelo pintar-lhe a alma de outra cor.

Não lhe apetecia ler uma revista, mas a meia hora da praxe para a tinta fazer efeito fizeram-na pegar numa revista de fofocas.

A imagem de uma desconhecida, filha de um qualquer empresário de Vila Verde que o acompanhava numa festa coberta pela publicação deu-lhe no olho.

Unhas curtas com verniz cor de rosa carregado.

Nina não tinha o hábito de pintar as unhas por estas serem curtas e por dar trabalho. Mas aquela imagem não conforme agradou-lhe.

So what se ela não tinha unhas compridas? So what se ela se marimbasse para a ideia que cabelos aos caracóis têm mesmo de ser compridos? So what?

"Cortamos as pontas como de costume, Nina?", perguntou diligentemente Marieta.
"Não, Marieta, quero cortar mais curto, pelo queixo. Surpreenda-me. E já agora faço a manicure. Verniz vermelho."

Cortou o cabelo e pintou de outra cor. Pintou as unhas. Comprou um batom vermelho.

Mudou a disposição das mobílias na casa. Deitou fora tudo o que não estava em condições e fez  uma pilha de coisas que já não queria, para oferecer.

Passou uma semana a dormir no sofá.

Percebeu que já tinha deprimido além do razoável, durante tempo demais. Renasceu e fez-se à vida, disposta a perceber como era a estar na pele desta reencarnação de si mesma. 

Era uma gaivota.



1 comentário:

R. disse...

Gostei da (auto)determinação desta Nina. Da capacidade de fazer o que se afigura tão difícil para a maioria: mudar! Ousar. (Re)começar.

Aplaudo-a.

E aplaudo-te a ti também.
Beijinho.