quinta-feira, maio 31, 2012

Penélope

Há histórias que se tecem devagar e com a alma. Fio por fio, desfiando os nós do peito e da garganta. Com paciência.

Há paixões que se acalentam em lume brando, nessa mágica arte de manter a chama pequena, sem a abandonar; na esperança de um dia se poder deixar queimar tudo o que puder consumir e sem a deixar apagar.

A Penélope da lenda, da literatura clássica, esperava o seu herói sem o dizer a ninguém. Arranjou o pretexto de uma colcha que tinha de tecer para afastar os pretendentes que lhe queriam impor, dizendo que Ulisses não voltava. De dia, fazia lentamente a colcha e de noite, desfazia quase outro tanto, para atrasar a necessidade de aceitar outro marido, como insistiam que fizesse.

Sem acreditar em predestinações, Penélope gostava de acreditar que havia um fado intrínseco nos nomes.

Guardava a sua esperança como um segredo tão bem guardado que às vezes até o guardava de si mesma. E porque é no contar de histórias que a gente se encontra, Penélope contava a sua história como a construía: devagar, timidamente e com a alma, sem deixar que a chama  brilhasse demasiado por ser tão incerta a possibilidade da sua sobrevivência.

É que a história que Penélope construía devagar era uma história improvável, daquelas que as gentes mais sábias e experimentadas olham de lado e com o nariz torcido. E que o bom senso dizia a Penélope que não era lá muito viável, com tantos ventos contraditórios.

E por isso, Penélope tratava a sua história, que tecia com paciência e amor, como se trata a seda, com delicadeza e reservando-a para as ocasiões especiais.

Como a seda, a sua história era leve, delicada e brilhante. Para muitos, era nada mais que um capricho, uma coisa desnecessária, melhor substituída por algodão ou ganga. Cetim, se fosse o caso de querer mesmo algo que luzisse.

Mas Penélope habituara-se à seda com as suas qualidades e desvantagens e não estava disposta a abdicar dela. Pelo menos não enquanto não acabasse a colcha que tecia de dia e desfazia de noite.

E aguardava o seu Ulisses com paciência e esperança, sem se amarrar a projetos e sonhos concretos.

Porque se é certo que a seda é um material mais delicado que a maioria, também é certo que tem propriedades únicas.

E que independentemente de quão resistente, duro e até tosco o tecido, todos estão sujeitos às mesmas manchas e todos sem exceção se podem estragar.

É que a durabilidade dos tecidos, como a vida das relações humanas, é mais determinada pelo trato que lhes damos do que pela sua natureza inicial.

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