domingo, maio 13, 2012

Aninhas e a puta da velha

Aninhas não gostava da puta da velha. Implicava com ela e ela implicava com Aninhas.

A puta da velha era mesquinha, picuínhas. Ficava-lhe com as revistas que espreitavam de fora da caixa do correio, sacudia as toalhas dela para a varanda de Aninhas, tinha prazer em dificultar a vida da pequena.

Aninhas era uma boa alma, menos se a enervassem. Aí era só mazinha.

Fazia de conta que não via os panos que caiam do estendal da vizinha na varanda. Fazia festas e pedia aos convidados para não falarem mais baixo depois das 22h. Quando via que o gato da vizinha se tinha escapado, nunca avisava a velha.

O que realmente tirava Aninhas do sério não eram estas mesquinhices. Era que Aninhas tinha deixado de viver numa terra pequena para ter liberdade e a puta da velha controlava-lhe a vida.

Ficava à janela para ver quem entrava em sua casa e depois contava aos vizinhos da frente e nas lojas de comércio tradicional quando tinha gente em casa, se eram homens ou mulheres, até que horas tinham ficado. Se tinha ouvido barulhos. Que tipo de carro conduziam. etc.

E Aninhas ficava louca com este hábito da puta da velha. 

Ainda por cima a puta da velha era a administradora do condomínio. De vez em quando lá tinha bilhetinhos a dizer que tinha de varrer a varanda, ou que não podia ter plantas, ou recados para o senhorio a dizer que tinha de comparecer à reunião de condomínio. E despedia-se sempre da mesma forma, deixando-lhe o número de telefone. Como se fosse servir para alguma coisa.

"Ao seu dispor, Susana Santos tel. 91 9970112"

Aninhas tinha a sensação de ter já visto tantas vezes o raio do número de telefone da mulher que já o saberia de cor. Ainda por cima, um dia, a irmã chamou-lhe a atenção para o facto de que o número da sua arqui-inimiga tinha em si o aniversário da sobrinha: 9 1997-01-12.  Doze de Janeiro de 1997. Com um nove à frente. A idade que tinha o sobrinho mais velho nessa altura (que depois, quando se começa a querer ver coincidências, vêm-se coincidências em todo o lado...!)

Que puto de azar. Que ironia. Sabia tão poucos números de telefone de cor e agora tinha aquele agrafado à memória,  em vez de outra coisa qualquer que lhe pudesse ser útil. ora bolas.

Aninhas não passava muito tempo em casa e tentava não se ocupar com isto mais do que o estritamente necessário, mas a raiva miudinha punha-a por vezes a pensar na velha.

A velha nem sequer era mal ajambrada, embora não tivesse grande ar. Andava de roupão o dia quase todo. Mas já tinha havido uma ou outra ocasião em que Aninhas a tinha visto de batom rosa brilhante, apesar dos seus - quê? - 60 anos? Devia ser, mais coisa, menos coisa.

Até já lhe tinha visto de fugida no estendal certa vez roupa interior vermelha. Pensou que a imagem mental que se lhe seguiu era uma visão do inferno. Credo.

Aborrecia-a profundamente pensar que a puta da velha tinha tanto prazer em estragar-lhe a vida. Não é que fosse assim tão mau, na realidade, que ela cuscasse a sua vida aos vizinhos, porque Aninhas era uma mulher livre e não considerava que tivesse de dar satisfações a ninguém sobre os seus namorados e amigos. Mas aborrecia-a e aquela era uma daquelas moínhas que não são grande coisa, mas vão moendo, moendo, moendo. "Não mata, mas mói.", como diz o ditado.

Chateava-a que a vizinhaça toda soubesse da sua vida, pronto. E percebia nas entrelinhas dos comentários que ouvia que havia uma certa repreensão moralista perante o seu estilo de vida.

Ela até tinha tentado ser simpática com a senhora a princípio, mas depois verificou que não era viável. Simplesmente não era viável. Que a puta da velha, quando ela lhe sorria, virava-lhe a cara e tratava-a ainda pior.

Que raiva.

E agora com gripe, uma daquelas a sério, que duram 3 dias a curar, Aninhas via-se confinada à sua casinha e à guarda da vizinha. Uma neura em cima da outra.

O inverno veio tarde, e a ajudar à festa, o dia estava chuvoso e com trovoada. Às duas da tarde houve um qualquer problema com o serviço de internet e televisão e Aninhas ficou sem ambos.

Podia ler um livro mas não lhe apetecia. Aninhas ficava doente raríssimas vezes e gostava de aproveitar para ser completamente inútil nesses dias.

Ganhou coragem e foi ao quiosque mesmo em frente a casa comprar o jornal e umas revistas de fofocas. O senhor lá lhe disse que já sabia que ela estava doente porque a puta da velha tinha comentado que a menina estava em casa, que hoje não tinha saído para o trabalho, mas estava sozinha.

Aninhas rosnou um sorriso e veio para casa. Irritada, lembrou-se de uma das coisas que mais gozo sempre lhe dera e que já não fazia há séculos: ler a secção de relax do JN!

Ria-se sempre com a gíria que que tentava decifrar em cada pequeno quadradinho de linguagem obscena camuflada (ou não) para apelar à luxúria dos leitores. Os seus favoritos eram os dos travestis.

"A A A A A RUA DA ALEGRIA TRAVESTY 1ª VEZ
21 aninhos. Anaconda, p50, dote xxxxxxxl, o...natural, botão de rosa, dominaçao. 2.ª oportunidade com banho de gato. Foto real, comprove sem enganos. Tel.XXXXXXXXX"


Ora bem, "anaconda", uma cobra gigante da América do Sul deveria ser um código para dizer que o pénis era grande. p50?? que raio seria p50??, ok, seguindo, "o... natural" deve ser sexo oral sem preservativo. botão de rosa - essa não tem mistério. dominação, também é bastante claro. 2.ª oportunidade com banho de gato??? What??? 

Era uma diversão rápida porque a partir de certa altura se tornava cansativo e mesmo deprimente.

"Dupla perfeita Agora com muitas novidades..algemas, strap-on, vibradores….destinados a cavalheiros, senhoras ou casais de nível, que sabem o que querem e que valorizam o bom gosto. Adoramos submissão, inversão de papeis, oral ao natural…..tudo sem limites ou tabus. Proporcionamos momentos diferentes repletos de sedução,discrição e cumplicidade. Possibilidade de momentos a 3 despidos de preconceitos! Ambas portuguesas, com formação superior e desempregadas. Apenas deslocações a hotéis /motéis sem pressas na zona de Viseu"


"com formação superior e desempregadas" como ponto de um anúncio de relax. Que tristeza...


Já prestes a desistir da secção de relax e pronta para ler tudo o que havia para ler acerca das infidelidades do rei de Espanha, na revista de fofocas, heis senão quando um anúncio chamou a sua atenção:

 "A A A A A A...SUSANA 50TONA
Safada peludinha.Carinhosa, O...Mutuo Ardente e Delirante,Garg.Funda,Mass.Prostática,B. Rosa,Compl.Simulação masculina. Dominação.24H. Apenas deslocações. Tel.
919970112."


Demorou a perceber porque raio se tinha fixado no anúncio. E depois olhou melhor para o número. 

9 1997 01 12.


Doze de janeiro de 1997. Com um nove à frente.


E esta hein? 

Não é que afinal Aninhas tinha tido sempre razão acerca da moralista da velha?



3 comentários:

Ana Pikena disse...

Como todos... gosto do paladar das tuas personagens! gosto da forma como as cozinhas! :D

Rogério disse...

hahahahahahaha! surpreendente, sem dúvida!
...mas acho que a velha não tinha estaleca para tanto! Digo eu... Bjs!

Anónimo disse...

Giro, bem giro, Miss H. : )