terça-feira, novembro 01, 2011

Romeu e Julieta

Romeu e Julieta eram uma entidade una e indivisível para todos os que os rodeavam. Trabalhavam na mesma empresa, tinham os mesmos interesses, eram similares em quase tudo e completavam-se no restante.

Se no início era fascinante verificar o sincronismo da relação que era toda ela rosas, com o passar do tempo esta caracterísitica tão especial tornou-se em algo banal e apenas mais um fait divers para todos. um dado adquirido.

Romeu e Julieta passavam juntos muitas horas do dia e muitas horas da noite. E a cumplicidade síncrona começou a tornar-se saturação.

Deitados de costas um para o outro, na cama, Romeu questiona Julieta se ela tem de ser tão dura com os miúdos, se a vida tem de ser assim tão dificil. E Julieta responde recriminando que se não for ela a impor disciplina ninguém o faz.

Nesse dia, Julieta virou-se para o filho de ambos e disse: "e bato-te na cara que é para toda a gente saber que o João é um menino mau e que se porta mal, por isso a minha mãe tem de me bater na cara". João contorceu-se entre o querer continuar a desafiá-la como fazem as crianças de 5 anos e a corda sensível em que ela tocou, a sua vaidade.

Romeu interveio dizendo que Julieta não era clara na disciplina que empregava, que escusava de ameaçar o miudo se a seguir o deixava fazer tudo o que ele quisesse. E Julieta num tom calmo de agressividade absurda contestou com "queres falar de disciplina? quem é que faz downloads para o João? hã? e lhe dá videos e depois temos de o por de castigo porque não se pode jogar à semana? hein?"

Deixou Romeu sem resposta, numa situação em tudo similar à de João: querendo continuar a desafiá-la, mas agredido na sua corda sensível. Tal pai, tal filho.

Julieta tinha tanto de meiga como de cobra e Romeu tinha tanto de manso como de escorpião. Iguais os dois, farinha do mesmo saco.

Nos últimos tempos já nem se importavam muito com disfarçar. Quando alguém elogiava Maria a filha de ambos, dizendo que era "tão bonita" e que "saía mesmo à mãe", Romeu respondia com "é sai a ela. mau feitio e tudo. griiiiiiita que se farta, parece uma desalmada."

Na cama, voltada de costas para Romeu, Julieta recrimina o marido de a deixar a braços com todas as decisões importantes, com todas as dificuldades e se escapar para o seu mundo, com os seus amigos e as suas coisas. Que estava farta de remar ela o barco, que já não podia mais de cansaço e saturação.

E ainda não o dizia, mas esta saturação era tanto da vida como dele, que estava já na fase em que até o ar a passar nas narinas cheias de sinusite e os estalinhos que Romeu dava por causa desta condição a enervavam. Que a forma como ele punha a manteiga no pão e depois a faca cheia de migalhas de volta no pacote da manteiga a irritavam além das suas forças. Que o casaco amarfanhado em cima do sofá todos os dias a deixava fora de si. Que o seu cheiro lhe era insuportável. Que a forma de ele a tocar - nas poucas vezes em que o fazia já - a forma de ele a chamar, a forma de ele existir eram demais para si e para o que podia aguentar.

E o seu amor juvenil que se tornara lendário, vencendo tudo e todos desgastou-se como água mole em pedra dura, com o passar dos dias.

Julieta era uma déspota, Romeu era um morcão.

E o seu casamento tinha os dias contados.


2 comentários:

Lia Silva disse...

Gosto mais da outra versão.. Não é tão..real

Já agora, vais ser uma óptima contadora de histórias para os teus filhos e vais ser daquelas avós que fazem biscoitos e se sentam à lareira com os netos a jogar ao 'Era uma vez...'

:)

Beijinho grande

Helena Martins disse...

Oh, não, Lia, as duas histórias são reais :) acontece é que estamos habituados a pensar mais nesta versão como a realista :))

E depois combinamos as sessões de chá biscoitos e era uma vez com os nossos netos, em duo ;))))

Beijoca!!