sábado, novembro 27, 2010

Ofélia

Bateu furiosamente na porta do elevador. Parecia um pesadelo.
Em miúda tinha adquirido um medo irracional de andar de elevador depois de ver uma novela em que a mãe da protagonista morria quando um dos cabos do elevador se soltava e levou uns bons dez anos a voltar a conseguir andar de ascensor.
Não interessava se a casa do padrinho era no 13.º andar, se tinha que subir 3 lanços de escada no hospital quando estava doente, se não compartilhava animações na feira popular com os amigos: nunca em qualquer circunstância a apanhavam num elevador.
Um dia, um amigo percebeu o seu medo e levou-a à casa das máquinas do elevador do prédio onde era responsável pelo condomínio e explicou-lhe todas as medidas de segurança que os aparelhos englobavam.
Teve pesadelos durante uma semana, em que o elevador caía, em que saia do elevador pelo alçapão superior e ficava esmagada quando ele chegava ao último andar ou então que ficava presa no poço do elevador e era assim esmagada quando ele chegava à cave. Acordava sobressaltada e depois repetia-se o sonho sem nunca conseguir controlar nem racionalizar os seus elementos.
Quando acordava racionalizava o mais que podia, que tudo aquilo era impossível, que nada daquilo acontecia a ninguém a não ser nos filmes e nas novelas, que nunca se ouviam notícias de acidentes com elevadores.
Depois de tanto dar sermões a si mesma, decidiu que era altura de deixar de ser mariquinhas e andar de elevador. Escolheu o elevador do hospital, porque era sempre frequentado e vigiado e porque, na pior das hipóteses, tinha médicos por perto, para a salvarem.
Nesse dia andou tantas vezes no elevador que o segurança a interpelou e quase a expulsou, até ela fazer "olhinhos de corça" e explicar a situação – altura em que o segurança lhe indicou um outro elevador que chegava a 3 andares mais acima, com a condição de andar uma vez e se ir embora.
Desde então, foi sempre capaz de andar de elevador ao ponto da preguiça, de usar o aparelho para subir um andar ou de descer para a cave de ascensor.
E agora, o que ela havia relegado para 3.º, 4.º, 5.º plano, estava mesmo a acontecer. O elevador estava parado entre o 3.º e o 4.º andar do prédio do namorado. A porta estava fechada, mas o elevador, a que ela por graça chamava "o elevador da morte" aludindo aos ruídos estranhos que fazia desde sempre e que sempre assustavam as pessoas que andavam nele pela primeira vez, não se mexia.
Começou por calmamente esperar que a luz voltasse. Quando as luzes se acenderam, achou que o elevador voltaria a mover-se. Gritou por ajuda dez minutos depois, debalde. Tocou o botãozinho do alarme, apenas para se lembrar como os condóminos haviam decidido desactivá-lo, uma vez que os miudos tinham o estúpido hábito de o fazer soar a torto e a direito e a qualquer hora do dia ou da noite. Então começou a bater na porta e a berrar. Até a merda do telemóvel estava sem rede. Bateu, bateu, bateu. Berrou. Berrou. Berrou.
Finalmente apareceu alguém para a salvar. Abriram a porta do elevador manualmente e ela teve uma sensação de deja vu: o elevador encontrava-se entre andares, a meio caminho do 4.º andar e teriam de a içar para a retirar. No sonho semelhante que tinha tido recorrentemente, quando era mais nova, o elevador caía, quando ela estava a sair, cortando-a ao meio.
Achou que era mau demais o que lhe estava a acontecer e começou a chorar convulsivamente. Sentia-se paralizada e incapaz de fazer fosse o que fosse, como um carneiro levado ao matadouro.
A muito custo a convenceram a mover-se. Talvez do pânico ou de ter chorado muito, sentia o chão inseguro, como se se movesse ou balouçasse, o que em nada contribuia à situação. Aquela merda daqueles barulhos que a porra do elevador fazia sempre estavam a deixá-la à beira de um novo ataque de nervos.
Onde raio estava o seu namorado que não chegava? Os vizinhos aglomeravam-se à porta do elevador cada um mandando mais bitaites que o outro e foi mais do que podia aguentar. Desmaiou.
Quando acordou estava exactamente no mesmo sítio. Ninguém a tinha tirado dali. Mandaram os vizinhos sair e chamaram o INEM. A visão de gente da saúde, que lhe inspirava tanta confiança deu-lhe a coragem de que precisava, não obstante os ruidos do elevador e a sensação de chão balouçante que tinha.
Percebeu que precisava de mais coragem do que tinha. Ganhou lanço e sem pensar atirou-se contra a parede, rumo à frincha de meio metro que em que a porta se abria.
A última coisa que ouviu foi um "strap" quase surdo e o som quase musical de uma corda de aço a soltar-se e a deslizar entre os cabos.

2 comentários:

R. disse...

Lembra-se o 'Ironic' da Alanis Morissette...

"life has a funny way of sneaking up on you
When you think everything's okay and everything's going right
And life has a funny way of helping you out when
You think everything's gone wrong..."

Abraço :)

Helena Martins disse...

Grande Ref! Vai para a Banda sonora desta personagem na página das músicas!!! :))) Gracias, R :))) **