Bateu furiosamente na porta do elevador. Parecia um pesadelo.
Em miúda tinha adquirido um medo irracional de andar de elevador depois de ver uma novela em que a mãe da protagonista morria quando um dos cabos do elevador se soltava e levou uns bons dez anos a voltar a conseguir andar de ascensor.
Não interessava se a casa do padrinho era no 13.º andar, se tinha que subir 3 lanços de escada no hospital quando estava doente, se não compartilhava animações na feira popular com os amigos: nunca em qualquer circunstância a apanhavam num elevador.
Um dia, um amigo percebeu o seu medo e levou-a à casa das máquinas do elevador do prédio onde era responsável pelo condomínio e explicou-lhe todas as medidas de segurança que os aparelhos englobavam.
Teve pesadelos durante uma semana, em que o elevador caía, em que saia do elevador pelo alçapão superior e ficava esmagada quando ele chegava ao último andar ou então que ficava presa no poço do elevador e era assim esmagada quando ele chegava à cave. Acordava sobressaltada e depois repetia-se o sonho sem nunca conseguir controlar nem racionalizar os seus elementos.
Quando acordava racionalizava o mais que podia, que tudo aquilo era impossível, que nada daquilo acontecia a ninguém a não ser nos filmes e nas novelas, que nunca se ouviam notícias de acidentes com elevadores.
Depois de tanto dar sermões a si mesma, decidiu que era altura de deixar de ser mariquinhas e andar de elevador. Escolheu o elevador do hospital, porque era sempre frequentado e vigiado e porque, na pior das hipóteses, tinha médicos por perto, para a salvarem.
Nesse dia andou tantas vezes no elevador que o segurança a interpelou e quase a expulsou, até ela fazer "olhinhos de corça" e explicar a situação – altura em que o segurança lhe indicou um outro elevador que chegava a 3 andares mais acima, com a condição de andar uma vez e se ir embora.
Desde então, foi sempre capaz de andar de elevador ao ponto da preguiça, de usar o aparelho para subir um andar ou de descer para a cave de ascensor.
E agora, o que ela havia relegado para 3.º, 4.º, 5.º plano, estava mesmo a acontecer. O elevador estava parado entre o 3.º e o 4.º andar do prédio do namorado. A porta estava fechada, mas o elevador, a que ela por graça chamava "o elevador da morte" aludindo aos ruídos estranhos que fazia desde sempre e que sempre assustavam as pessoas que andavam nele pela primeira vez, não se mexia.
Começou por calmamente esperar que a luz voltasse. Quando as luzes se acenderam, achou que o elevador voltaria a mover-se. Gritou por ajuda dez minutos depois, debalde. Tocou o botãozinho do alarme, apenas para se lembrar como os condóminos haviam decidido desactivá-lo, uma vez que os miudos tinham o estúpido hábito de o fazer soar a torto e a direito e a qualquer hora do dia ou da noite. Então começou a bater na porta e a berrar. Até a merda do telemóvel estava sem rede. Bateu, bateu, bateu. Berrou. Berrou. Berrou.
Finalmente apareceu alguém para a salvar. Abriram a porta do elevador manualmente e ela teve uma sensação de deja vu: o elevador encontrava-se entre andares, a meio caminho do 4.º andar e teriam de a içar para a retirar. No sonho semelhante que tinha tido recorrentemente, quando era mais nova, o elevador caía, quando ela estava a sair, cortando-a ao meio.
Achou que era mau demais o que lhe estava a acontecer e começou a chorar convulsivamente. Sentia-se paralizada e incapaz de fazer fosse o que fosse, como um carneiro levado ao matadouro.
A muito custo a convenceram a mover-se. Talvez do pânico ou de ter chorado muito, sentia o chão inseguro, como se se movesse ou balouçasse, o que em nada contribuia à situação. Aquela merda daqueles barulhos que a porra do elevador fazia sempre estavam a deixá-la à beira de um novo ataque de nervos.
Onde raio estava o seu namorado que não chegava? Os vizinhos aglomeravam-se à porta do elevador cada um mandando mais bitaites que o outro e foi mais do que podia aguentar. Desmaiou.
Quando acordou estava exactamente no mesmo sítio. Ninguém a tinha tirado dali. Mandaram os vizinhos sair e chamaram o INEM. A visão de gente da saúde, que lhe inspirava tanta confiança deu-lhe a coragem de que precisava, não obstante os ruidos do elevador e a sensação de chão balouçante que tinha.
Percebeu que precisava de mais coragem do que tinha. Ganhou lanço e sem pensar atirou-se contra a parede, rumo à frincha de meio metro que em que a porta se abria.
A última coisa que ouviu foi um "strap" quase surdo e o som quase musical de uma corda de aço a soltar-se e a deslizar entre os cabos.
2 comentários:
Lembra-se o 'Ironic' da Alanis Morissette...
"life has a funny way of sneaking up on you
When you think everything's okay and everything's going right
And life has a funny way of helping you out when
You think everything's gone wrong..."
Abraço :)
Grande Ref! Vai para a Banda sonora desta personagem na página das músicas!!! :))) Gracias, R :))) **
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