terça-feira, outubro 05, 2010

Marta

Nunca gostara de beijos de língua até ele aparecer. Nunca tinha deixado ninguém beijá-la daquela forma. Porque um beijo de língua é quase mais que uma penetração. Na verdade, um beijo de língua é uma penetração. Uma penetração para a qual não existe preservativo.

Encostou-se à janela enquanto considerava se sempre se ia masturbar ou não. Tramado ter-se lembrado desta coisa dos beijos de língua. É que se uma pessoa se pode satisfazer a si mesma na genitália, não há nada que chegue a um beijo de língua quando se está só.

Acabou o cigarro e fechou a janela.

Marta tinha uma auto-estima elevada e acima de tudo expectativas extraordinariamente rigorosas relativamente a si mesma. E por arrastamento, relativamente às pessoas com quem se relacionava intimamente.

Perdoava quase tudo aos amigos mas era incrivelmente severa consigo mesma e com os seus namorados. Como se lhes fosse vedado cometerem erros.

Marta não era má pessoa, simplesmente sempre lhe haviam enchido a cabeça de normas rígidas e protocolos. de expectativas. Sem nunca se lembrarem de lhe explicar que a vida também pode ser simples e descomplicada. Que não precisava de atingir níveis de sucesso extraordinário para ser aceite e ser amada e ser feliz.

E começava a duvidar se algum dia realmente poderia ser feliz, já que acreditava que a doçura e a ternura são como a fruta doce do verão: se não se entregam na altura delas e ficam guardadas dentro de um sítio quente como é o coração humano, azedam e apodrecem. ou então o coração arrefece como forma de se adaptar ao facto de não lhe adiantar criar mais amor, para não cheirar a bafio e ganhar bicharada.

Marta tinha horror a tornar-se uma mulher azeda, mesquinha e fria por não dar o seu amor na altura dele, ainda que esse outrem que não estivesse dentro das suas normas criteriosas e opressoras.

Saiu da marquise e dirigiu-se ao quarto. E decidiu que ainda hoje haveria de fazer ambas as coisas: dar-se a si mesma um eficiente orgasmo e beijar alguém, ainda que fosse sem amor. E enquanto procurava o dildo, enviou uma mensagem a Joel, a quem finalmente decidira dar uma oportunidade.

"Que se lixe" - disse para si mesma - "vai dar asneira, mas só se vive uma vez."

E entregou-se ao seu próprio prazer sem culpas e sem barreiras.

2 comentários:

via disse...

Acho que ambas as decisões merecem a nossa aprovação, serenamente,serenamente.não se gasta o entregar-se, não é preciso parcimónia no prazer.

Helena Martins disse...

:) absolutamente!