sexta-feira, outubro 12, 2012

Isabel

Isabel era um outlier.

Isabel tinha uma cara redonda e cabelo loiro cortado curto de forma assimétrica. Vestia roupas confortáveis e originais, de cores fora do vulgar e acessórios de design.

Os sapatos eram rasos, a voz era quente e as palavras eram informais. Na Universidade, gostava de se sentar em cima das mesas quando dava aulas. E não o fazia de forma expectável.

De inteligência aguçada e espírito crítico bem desperto, tinha um gosto especial pelo inconvencional, pelo desafiar de regras, pelo diferente.

Sentava-se na mesa e punha uma perna atrás da cabeça enquanto explicava conceitos fundamentais e com algum nível de complexidade, como se fossem simples. Depois cruzava as pernas (sempre em cima da mesa) e dava exemplos sobre a possível relação dos alunos com os namorados, de quando saem à noite para beber uns copos, de quando correm e ficam muito cansados.

Os grandes teoremas aplicados a coisas simples, os corolários exemplificados.

E dizia: "experimentem".

E mandava experimentar logo ali, na hora. e depois fazia relatar o que tinham feito, comentar e pensar em alternativas e nos porquês das suas opções.

Tinha um ar de miúda e os alunos viam-na com frequência à noite, nas mesmas noitadas que eles, de copo na mão e cigarro de enrolar.

E ela não fazia de conta que não os via. Cumprimentava-os à distância, dizia-lhes adeus. E depois comentava nas aulas que os tinha visto se se lembrasse disso para exemplificar alguma coisa ou só para se meter com eles.

Os alunos ficavam perplexos a princípio. A senhora professora que não tinha ar de quem se ia aposentar em breve que dava exemplos tão pouco formais.

Depois acostumavam-se e recordavam com carinho os dias em que estavam poucos alunos e bom tempo e a aula era no jardim.

Isabel divertia-se com as aulas. Mas não deixava de ser um outlier. e à medida que ganhava confiança a sua não conformidade acentuava-se. E à medida que a não conformidade se acentuava, transformava-se em desobediência.

E um dia ela disse que estava farta. Que não queria mais. Que gostava demasiado de ser feliz para vender o seu tempo encaixotado nas regras que lhe mandavam, que um professor a sério não se senta em cima das mesas, não fala de substâncias psicotrópicas, não tem nada que perguntar aos alunos exemplos das suas vidas pessoais, que as aulas são para se dar na sala.

Então saiu da Universidade e foi ser feliz a dar consultas de Psicologia. No seu lugar colocaram outra professora nova e loira. Mas esta nunca se sentava em cima da mesa, nunca saia da sala e nunca dava exemplos da vida normal. Fazia testes em que os alunos tinham de dizer o que estava no manual, aparecia às reuniões todas, não dizia o que pensava e tratava os alunos como subordinados.

E ainda hoje lá está.

Isabel era claramente um outlier, um elemento da amálgama populacional que não reage como a maioria dos sujeitos. Diferente, fora dos parâmetros habituais. E na vida, como no tratamento de dados, os outliers só interessam quando a metodologia é qualitativa; na metodologia quantitativa, eliminam-se que é para depois não haver surpresas nos resultados.


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