sexta-feira, março 16, 2012

Edgar

Edgar gostava da palavra foder.

Que prazer lhe dava dizer um sonoro “foda-se” num aperto qualquer, ou no trânsito. Como se a força de ser um palavrão e o facto ter três silabas tivessem o imediato poder de o aliviar num momento de exasperação.

Haver três ou mais sílabas era importante; não era a mesma coisa dizer “puta”, por exemplo. Nesse caso, ou prolongava a primeira sílaba, dizendo a palavra “à norte”: “po-u-ta”, ou tinha de complementar a expressão com “filha da puta” ou “puta do caralho” - uma expressão propriu sensu idiota, porque limita o âmbito da clientela da prostituta a portadores de um pénis; mas lá está, as três sílabas de ca-ra-lho, a compensarem a pequenez do insulto à senhora que não sai da faixa de ultrapassagem, apesar de ir a 70 kms/h.
Da mesma maneira, poderia dizer num impropério “ma-ri-cas” ou em três bocados “pane-lei-ro” (todos eles passíveis – obviamente - de serem complementados com “do caralho” para reforçar ideia de agravamento e a libertação da tensão, não obstante também aqui o acrescento diminuir a lógica do insulto, porque o torna reduntante. Estranho seria chamar a algum homem algo que se traduzisse por "homossexual da vagina").

Edgar gostava de palavrões em geral e gostava de chocar as pessoas com palavrões, usando-os nos momentos mais impróprios pelo simples gozo de ver uma cara de surpresa e indignação. Gostava de dizer em cocktails finos ou no fim de recitais de piano “que concerto do caralho!”, ou então, “este gajo não toca uma piça!”.

Mas nenhum palavrão chegava aos calcanhares da frequência, intensidade e duração com que Edgar podia usar as diferentes formas do verbo foder.

“Foda-se!”, claro, nos tops do uso, podendo ser um “oh foda-se” suspirado; um “FO-DA-SE” com as sílabas encorpadas num desabafo de frustração e raiva, ou ainda um “foda-se, foda-se, foda-se” como se fosse um conjúrio dizendo “isto não pode estar a acontecer”.

Usava ainda com regularidade o “está tudo fodido”, quando as coisas davam para o torto no trabalho ou então, para algum colega “agora é que fodeste tudo”.

Na intimidade, Edgar também apreciava o uso de palavrões. Gostava mais que nada que a namorada, uma jovem muito organizada e muito composta, filha de boas famílias e de insuspeitas boas maneiras lhe dissesse timidamente com a sua postura e ar de bailarina clássica “quero que me fodas agora”.

Embora fosse um bocado javardo, Edgar era um javardo de bom coração, com bonomia e uma lealdade inabalável aos amigos, pelo que o seu fetiche pelo uso de palavrões, era encarado no seu círculo social como mais um fait divers, uma característica peculiar de um amigo que também era peculiar. A sua coprolália suscitava sorrisos, encolher de ombros, revirar de olhos e comentários “não ligues, é o Edgar”, aos novos membros do grupo de convívio.

A perplexidade das pessoas aumentava quando conheciam Joana, impecável e de modos irrepreensíveis que namorava com Edgar, o javardo. Perguntavam-se como era possível a flor de estufa dar-se com o selvagem, que acaso estranho, que caso raro da natureza teria ocorrido para que aqueles dois tão diferentes e aparentemente incompatíveis estivessem juntos e se dessem tão bem.

Que Edgar dissesse vulgaridades e usasse vernáculo era tão normal que se fundia na paisagem. Como se a força das coisas que dizia adviesse da forma como ele, melhor do que ninguém, conseguia modelar a entoação, dicção e momento em que ele dizia as asneiras. Como as conjugava com as expressões faciais e linguagem corporal certa para veicular a ideia exata e o sentimento que a acompanhava.

E por isso mesmo, não deixava de ser curioso o impacto das palavras escritas na caligrafia imaculada de Joana, num pedaço de papel perfeitamente cortado do seu bloco de notas com caneta a condizer. Palavras deixadas ao lado do computador aberto no email de uma amante de Edgar.

Aquela expressão, que lhe era tão familiar, doeu-lhe como se fosse material, como se nunca a tivesse ouvido, como se nunca tivesse sido usada contra si e fosse de repente a coisa mais poderosa e carregada de desprezo que alguma vez escutara. Talvez porque Joana apenas dizia palavrões no contexto da intimidade e a seu pedido, porque era uma coisa tão avessa à sua natureza, era impossível passar-lhe despercebido o ódio que destilavam, o nojo que refletiam, o desprezo e a vontade de se afastar dele que eram incontornáveis:

Vai-te foder”.

2 comentários:

Ana Pikena disse...

adoro!!!!!!
(como sempre!)

SOCIALWARE: disse...

Soberbo!