domingo, março 25, 2012

André

Só há uma maneira de amar, que é completamente.

André amara Joana completamente e depois de a relação acabar abrupta, unilateral e definitivamente, restava-lhe apenas a saudade.

A saudade doía-lhe como um punhal entre as costelas. Como um vazio que o comia de dentro para fora. A saudade era uma mão que agarrava o seu coração e o apertava até ele quase deixar de bater, asfixiado, como um pássaro pequeno e assustado, garreado por uma pessoa maldosa.

A saudade comia-lhe o peito. A saudade devorava o seu interior, canibalesca, sedenta, destruídora.

A saudade engolia-o inteiro no seu nada. Esvaziava-o.

A saudade doía-lhe com a força da mão que já não está lá para o amparar, com a comichão do comentário que só ela ia perceber e ele não pode partilhar. Com a noção de que ela não estava bem e ele nada podia fazer, por muito que quisesse.

A saudade esgueirava-se nos seus sonhos, no seu sono, como uma cobra que deslizava pelos enredos do seu subconsciente. Adormecia embalado pelo seu nome que repetia, como se a chamasse; acordava com o seu nome repetido pelas personagens dos seus sonhos que o acordavam a meio da noite. A saudade perturbava o seu trabalho, paralizando-o. A saudade tornava a sua ausência mais visível que o resto das coisas. A saudade saturava a sua existência da presença dela que já lá não estava, da falta que a presença dela lhe fazia. E a ausência dela inundava todo o chão que pisava, ferindo-o como se estivesse descalço e caminhasse entre seixos afiados. Com a noção de que lhe faltava um pedaço e que o pedaço era o seu melhor pedaço, e o pedaço que lhe faltava era ela, que lhe fora retirada rombamente e sem precisão, deixando bocadinhos entranhados que se metastizavam em toda a parte. A sua ausência doía como as dores de um membro fantasma, que dói como se estivesse contraído porque o cérebro não pode ver o que lhe falta. e ela faltava-lhe com os seus problemas, os seus comentários, os seus sonhos e ambições. a sua doçura. o seu sorriso. a sua malícia. e a forma como o preenchia por inteiro.

E sem ela, ele era uma criança perdida no supermercado, engolido por corredores altos e familiares onde não estava a presença protetora da mãe, que procurava correndo sem parar até o coração bater depressa demais e a desesperança lhe transbordar dos olhos e das goelas implorantes.

E sem ela os dias eram iguais e as estradas não tinham direção. Não havia propósito nas coisas.

E sem ela não fazia sentido lutar, sair da cama, acordar.

André corria todos os dias para se cansar e conseguir adormecer, para ter algo que fazer à hora em que a ia buscar ao trabalho. Desistiu de jantar para não ir ao supermercado onde iam os dois comprar ingredientes de última hora às sete da tarde, sozinho, para não por a mesa só para si.

Deitava-se cedo depois dos 15 kms que corria até ele mesmo ser só suor e ofegação, para chegar a casa e cair na cama logo depois do banho.

Sabia - ou pelo menos queria muito acreditar no que diziam os amigos e a sua própria experiência passada - que as coisas haviam de melhorar e que um dia aquela ferida haveria de sarar e ele seria capaz de gostar de outra pessoa. Talvez até de amar novamente.

Sabia que tinha de ter paciência. E escolhia fazê-lo, como se tivesse qualquer outra opção.

1 comentário:

rvs disse...

O André de certeza que muitas vezes se deita a horas "incómodas" só porque sabe que há a probabilidade de vir a sonhar com ela.E isso é bom! Mesmo que depois acorde e a realidade, os amigos e até mesmo a falta de comida em casa o obrigue a perceber que está sozinho, tem de ir ao supermercado sozinho, sobrevive porque viver, no seu entender é uma tarefa a dois. Obrigado por este André, reflexo de muitos, felizes, porque souberam o que é amar! Um beijo