sábado, julho 30, 2011

Joana

Joana foi o primeiro grande amor da família e a notícia do seu nascimento percorreu o clã como a água que rega uma planta seca: abarcou todo o solo antes de se entranhar.


Foi a primeira e muito aguardada criança da sua geração e toda a família tinha uma paixão assolapada pela menina que era a epítome de tudo o que uma menina representa: era delicada, meiga, doce, engraçada e frágil, embora gostasse de se fazer de aventureira e de dizer que não tinha medo.


Irresistível, portanto.


Corria às voltas no jardim, brincando de guerreira e chorava baixinho, como se estivesse contrariada por o fazer, mas sentida, quando se magoava ou quando os meninos não a deixavam brincar com eles.


No corre-corre dos dias, Joana trazia aos pais uma noção diferente do tempo, porque ter 5 minutos para chegar à escola não é nada quando não se encontra o brinquedo ou se tem os sapatos desapertados.


E os dias corriam devagar no quotidiano e depressa quando percebiam o quanto tinha crescido pelas fotografias ou nas reuniões familiares, quando todos o comentavam.


A criança culminava todos os atributos referidos com uma grande facilidade em fazer sentir aos familiares e amigos o quanto gostava deles e quão feliz estava de os ver e estar com eles. Joana era genuinamente meiga e carinhosa e parecia que correria o mundo para estar com cada pessoa, que por seu turno sentia que correria o mundo por ela.


O sentimento coletivo era, portanto, de um amor incomensurável e proteção, como um abraço que escuda. Todos queriam saber as novidades da escola, as actividades extracurriculares, os namoradinhos, ver os desenhos e pendurá-los na parede, adormecê-la e correr com os seus medos infantis e amorosos. Os momentos pequeninos eram disputados entre todos, por verdadeiros privilégios. A suas estórias e pequenas anedotas partilhadas entre todos da forma babada que fazem tios, primos bastante mais velhos e avós.


Por tudo isto, no funeral da mãe, as lágrimas sentidas e coletivas escorriam confusas, e não sabiam de quem era coração pretendiam lavar, se o seu próprio, se o de Joana, se o do seu pai.


Porque se Joana foi a primeira grande paixão da família, a perceção do seu desamparo súbito bateu em todos como uma onda do mar bravo que se apanha quando se virou as costas ao oceano. E todos perceberam que não importava o tamanho e a força do seu amor pela menina, que Joana teria de nadar sozinha nas águas em que apenas uma mãe chega para amparar na corrente.


A todos os outros apenas a oportunidade de observar e esperar na praia para a acolher nos momentos em que o mar a trouxesse à areia. E como o sentimento coletivo era - como sempre fora - de preservação e proteção, compreender que nada podia ser feito por Joana que a compensasse da perda e dos desafios que a morte da mãe representa, as lágrimas corriam sem saber para onde ir.

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