sexta-feira, julho 22, 2011

Dália

"Não vou deixar o meu amanhã estragar o meu hoje. Vou lutar. Isto não está acabado."

Dália segurou a mão do marido.

Elias estava em estado de choque. A sua mulher, a mãe dos seus filhos. A sua melhor amiga. A sua companheira. A sua vida. Em inexpugnável fase terminal.

Na cabeça de Dália, uma catadupa de pensamentos em turbilhão. As crianças, o sol, o cinema, a casa, o cheiro da roupa lavada, a viagem sempre adiada a Nova Iorque, o concerto de Tom Waits que nunca foi ver. E o cheiro das crianças, a forma do corpo delas abraçado ao seu. O peito de Elias e a curva do seu braço em que se enrosca a dormir. O cheiro do café matinal durante a semana. Acordar nos Domingos de manhã antes de toda a gente e fazer pequenos almoços especiais. Almoços de família. Gelado de melancia da Neveiros. As tardes na piscina. As festas de aniversário da família com toda a gente. Os abraço dos pais. O cheiro da marmelada a ser feita no outono. Fazer amor com o marido. Dar-lhe a mão no cinema. Andar abraçada com ele na rua. Os desenhos dos filhos no frigorífico. E quem vai cuidar agora dos filhos dela? Quem lhes vai dar conselhos e explicar os factos da vida? Quem lhes vai soprar as feridas e dizer que está tudo bem? Será que se vão lembrar dela quando forem grandes? Será que depois de morrer vai poder olhar por eles como dizem as histórias? Quem vai cuidar das plantas? E da casa? O que é que vai acontecer aos bonsais? Será que Elias vai encontrar outra mulher? E será que ela vai ser boa para as crianças? Quem vai incentivar Pedro a expressar o seu lado artístico? Como é que Mariana se vai aguentar numa casa só de homens? Como é que ela vai partilhar as primeira dúvidas femininas? E os pais? Como se vão aguentar sem a sua única filha? Como é que ela vai dizer à mãe as más notícias? E ao pai? E no fim? Será que vai ter muitas dores? E antes? Será que vai sofrer muito?

Queria chorar muito e berrar alto, queria dizer ao mundo, ao universo, a Deus, se ele existisse, que não era justo e que não podia morrer.

Mas Dália sabia que era o rochedo do marido. Segurou-lhe a mão com força e prometeu que ia lutar até ao fim, sem lhe dizer mais nada dos seus pensamentos e sem conseguir segurar as lágrimas silenciosas e rebeldes.

5 comentários:

Anónimo disse...

Tenho para mim que aproveitas o teu tempo de uma forma muito especial. És uma sortuda. =)

R. disse...

E eu, tenho para mim que somos sortudos por seres suficientemente generosa para partilhares os teus escritos connosco :)

Obrigada!

Anónimo disse...

Devíamos estar no facebook para eu pôr um valente de um "gosto" na afirmação de R. =)

Helena Martins disse...

Like, like, like!! :))

Ana P. disse...

Estas palavras e esta história evocam sentimentos tão profundos, que não consegui seguras as lágrimas. Parabéns, contadora de histórias!