Os caracóis dourados do cabelo de Zeca, um miúdo magrito de 6 anos, parecem molas que saltitam na sua cabeça feliz, enquanto ele corre da maneira livre e desgovernada que os putos traquinas fazem.
Zeca quer experimentar tudo, viver tudo e conquistar tudo. Gosta de chocar os adultos com as perguntas que faz e as coisas que diz.
"Tu és uma gordalhufa. Tens um cu gigante." - diz, esticando os braços para dar ênfase às suas já expressivas palavras - "Chega o teu cu para lá que me vais esmagar com o teu cu, ó gordalhufa." - diz ele à prima que o irrita porque se quer sentar ao seu lado, no banco que ele queria ocupar sozinho.
As coisas que diz são ácidas, mas nunca amargas. Saem-lhe puras e inconsequentes, fruto da sede com que Zeca vive o mundo e a vida.
"A tua pila é grande? Qual é o tamanho da tua pila?" - pergunta ao primo mais velho mirando-o de cima a baixo, em avaliação.
Os pais ficam aflitos e tentam reagir com calma, explicando que esse é o tipo de coisas que não se pergunta.
O Zeca não percebe porquê.
"Porquê? Ele tem vergonha da pila dele? Porque é pequenina? Assim, mais pequenina que o meu dedo mindinho? A pila dele é mais pequenina que a de um bebé? E ele não lhe consegue segurar nem para fazer xixi?"
Faz as perguntas ininterruptamente, sem esperar resposta, e depois passa o resto do dia a falar do primo mais velho e de como ele tem uma pila pequenina e vergonha da pila pequenina. Confabula sozinho e faz troça do primo, diz que ele não tem namorada porque não quer que ela lhe veja a pila pequenina.
A seguir diz que queria comer o bolo todo, se o deixassem, mas não chega a conseguir acabar a primeira fatia. Mete-se com os tios mais brincalhões e provoca-os dizendo mal do clube de futebol deles, se não forem o seu, ou picando-os com tiradas a dizer que eles cheiram mal.
Usa os insultos mais fortes que a sua inocente mente de criança consegue conceber para os provocar. Mas é tão transparente no seu objetivo, que o máximo que consegue é suscitar um sorriso e um desafio.
"Cheiras a cuecas sujas, ó cabeça de cocó!"
E da boca do Zeca saem sem espinhas as verdades que ninguém tem coragem de dizer, como quando foi ele o primeiro a tirar da cartola que o tio divorciado tinha uma namorada nova, a "amiga" que aparecia com ele de vez em quando - coisa que todos sussurravam, mas ninguém se atrevia a pronunciar.
Apontou-lhes o dedo, disse que eram namorados e mandou-os dar um beijo na boca. Um ataque indefensável, por parte de alguém que tenha mais de 13 anos, perante uma verdade tão óbvia saída da boca de uma criança tão pequena.
O Zeca diz as coisas politicamente incorretas que fazem as delícias de todos os que não estão envolvidos. que se repreendem na hora e que depois se contam à socapa da criança, sussurradas e gargalhadas.
No mesmo dia em que a família dizia a Arminda que a cor de cabelo nova lhe ficava muito bem, Zeca surge do nada, aponta para as raízes do cabelo da rapariga - que eram a única parte
da cabeleira que tinha conseguido absorver adequadamente uma cor muito
mais clara que a sua cor natural - e pergunta com sinceridade:
"Prima, porque é que só pintaste esta parte do cabelo?"
O mundo de Zeca é temperado de sabores fortes e emoções intensas, e no entanto, não é um miudo estragado de mimo. É só um pequeno aventureiro destemido, que nas suas brincadeiras é mais famoso e melhor jogador que o Cristiano Ronaldo, é o rapaz mais fixe do mundo e é tão alto, bonito e forte como aos seus olhos só é o pai.
A sua valentia de vento é cómica perante o seu aspeto franzino. A sua picardia é facilmente suspendida com um tom de voz mais sério e uma justificação. Já com seis anos, Zeca sabe que nem para ganhar numa caçadinha qualquer se atravessa a rua sem dar a mão a um adulto. E se a mãe manda fazer alguma coisa com tom de voz sério é porque é mesmo para fazer. mesmo que seja contrariado e a reclamar.
A acutilância dos seus comentários selvagens é igualada pela doçura distraída com que faz declarações de amor desmedido e de importância avassaladora às pessoas da sua vida.
Zeca é o que é, sem aditivos nem conservantes. Sem intensificadores de sabor ou reguladores de acidez. Sem corantes.
E a forma como desafia todos e tem o coração perto da boca é algo que os adultos da família gostam de preservar só mais um bocadinho, como quem atrasa o despertador de um sonho bom mais 5 minutos.
Porque todos sabem também que o mundo não é para sempre o ambiente seguro da família e dos amigos de infância, e mais que nada querem que ele esteja bem e protegido.
E que ele não vai ser para sempre um miúdo engraçado a quem se perdoa tudo.
Que mais cedo ou mais tarde, Zeca terá de aprender o que se pode (e não) dizer em contexto social, das perguntas que se podem e não podem fazer em público. Das preferências e desagrados que se podem livremente expressar, das opiniões de que se pode fazer bandeira. Para seu próprio bem.
Até lá, a família vai guardando como relíquias douradas as histórias das pequenas façanhas do puto esperto, no baú das memórias divertidas com que anos mais tarde se vão entreter os convivas, para delícia de todos e embaraço generalizado do Dr. José.
2 comentários:
Está muito fixe este Zeca. Parabens Leninha,
Grande neto este meu e teu Zeca!!!!
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