quarta-feira, dezembro 21, 2011

Marco

Achava que era mais feliz quando era criança. Que a vida e mundo em geral eram mais simples.

As regras eram claras, as pessoas eram honestas, não havia crises de valores.

Lembrava-se de lhe ensinarem as regras de boa educação, de lhe darem colo quando as coisas corriam mal mas ele tinha feito o que estava certo.

E agora, adulto, parecia que o mundo se tinha virado do avesso.

A bondade ou maldade dos seus atos eram medidas não pelas intenções - de que se diz estar o inferno cheio - mas pelas consequências dos mesmos.

Que as desculpas não se pedem, evitam-se. Que há coisas que não se desculpam. Ou pelo menos que não se esquecem.

Mas se tanto dessas consequências não eram da sua responsabilidade, não estavam no seu poder, ao seu alcance!

Pensava que às vezes mais valia estar quieto. Não fazer nada. Não dizer nada. Não ser nada. Não existir.

"Oh, I am fortune's fool" dizia citando o Romeu e Julieta de Shakespeare, para engolir a angústia de existir e ser uma folha ao vento.

Marco não conseguia deixar de se sentir sempre culpado e sempre desiludido de as coisas não lhe correrem como ele tinha previsto ou da forma como tinha planeado. De estar aquém das suas próprias expectativas. De olhar para a sua vida e sentir que não tinha feito nada, construído nada até então e angustiava-se com o tempo que lhe restava que a cada dia era mais pequeno. E que de certeza já não ia chegar. E será que ele era capaz de chegar onde queria?

A sua liberdade pesava-lhe como uma grilheta de ferro com bola, pelas oportunidades que lhe oferecia e que ele se sentia obrigado a abarcar. O seu talento e a sua visão arrastavam-o pela depressão como os cavalos de um Ferrari que nem para abastecer quer parar, que só contrariado mede a pressão dos pneus e verifica outros sinais vitais menos importantes que andar, andar, andar até ser mais veloz do que o vento.

A liberdade e as possibilidades que procurou como um afogado procura o ar - sofregamente, às goladas, sem deixar que nada se interpusesse na sua procura - oprimiram-no e não deixavam respirar. Não conseguia enfrentar os dias que antevia sempre como demasiado pesados para o seu eu desgastado de se puxar a cada momento além dos limites.

E tinha medo de morrer, não uma morte física, mas de se perder, perder a sua identidade em busca do seu sonho, perder o seu sonho para preservar a identidade que construiu e as coisas que amava, perder tudo por apostar demasiado alto, não apostar alto o suficiente e conformar-se na banalidade.

E tudo era mais difícil porque independentemente das suas intenções, Marco sabia que no balanço final da sua vida o que contava eram os resultados das mesmas.

E esquecia-se que a vida é a viagem, que a árvore que cai com estrondo mas ninguém ouve não fez barulho e que essencialmente é imensa a nossa pequenez.

E que isso não constitui qualquer problema. Que os maus atos ficam com quem os pratica, independentemente das suas consequências benéficas ou nefastas. E que só se vive realmente quando se amam os pequenos momentos, sem a culpa de não atingir os objetivos máximos e irrealistas a que nos propromos por vezes. Sem a culpa de tirar uma manhã para puxar o lustro ao carro. ou para ir passear a pé. ou para ficar sentado na praia. ou para não se fazer mais nada além de inspirar e expirar numa sequência despida de lógica, expectativas ou avaliações.

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