“Fránscisca! Ánda verr como eu me porrto bém!” – o miúdo agarrava
na mão dela como se lhe pertencesse a ele e levava-a sem cerimónias e sem lhe
perguntar se se importava para a sala dos mielogramas, com a sua alegria e o
seu sotaque angolano.
Deitava-se de lado enquanto lhe faziam a punção lombar,
fugia-lhe uma lágrima (bandida! E ele que queria ser tão corajoso que nem uma
gota lhe saísse!) e ele apertava a sua mão.
“Viste, viste como eu me portei bem?” – sem se incomodar com
o facto de o procedimento médico ser chocante para qualquer pessoa fora da área
da saúde. Provavelmente, sem sequer pensar nisso.
O miúdo adotou-a, pegou na alma dela e colou-a na dele com
um adesivo mais forte que super cola 3 e com a sua inocência de criança juntou
as suas vidas e os seus destinos de uma forma mais profunda do que ela alguma
vez imaginou.
Era ela que o visitava, mas era ele que lhe soprava uma
brisa suave de cada vez que sorria, e lhe engrandecia o coração com a sua
gargalhada aberta.
E se era ela que lhe segurava na mão, era ele que a
apertava.
O miúdo era isso mesmo, um miúdo. Puro, inocente, vivo.
Esperto e engraçado. E bonito, com a sua pele cor de chocolate quente e o seu
cabelo de carapinha, olhos negros e voz rasgada.
Daquela maneira pura e desabrida, amava as pessoas que se
cruzavam no seu caminho, mas especialmente a sua Francisca. A Francisca, por seu turno, como dizê-lo de outra forma? Era dele.
A sua relação inesperada, simbiótica e tão bonita, de miúdo que,
com a mãe a milhares de quilómetros, quase sozinho e muito doente, sabiamente
escolhe alguém com o coração do tamanho de uma casa para o acompanhar na
esperança (e depois na ausência dela) só pôde acontecer porque claramente ambos se
reconheceram como iguais.
Dois corações grandes como duas casas, dispostos a partilharem
alegrias e tristezas e a partirem, quando enfrentassem a inevitável despedida.
O miúdo partiu, com a sua Francisca a acompanhá-lo até ao
fim. A sua Francisca ficou.
No coração-casa da Francisca há para sempre um quarto com o
nome do miúdo. E eu desconfio, que no coração-casa do miúdo, também há para
sempre um lugar muito especial para a sua Francisca.