quarta-feira, abril 03, 2013

Estrela


( participação de Sophie Lucha no concurso do mês de março da página de facebook do Personificcionar)

Estrela era uma mulher bonita e tinha bom gosto. Era alegre e bem disposta. Amada por todos os que a rodeavam, era mãe de duas crianças pequenas e bonitas. Tinha uma casa bonita no meio do campo e um trabalho bom com horários flexíveis. Tinha uma família bonita e carinhosa.

Estrela era conhecida por sorrir sempre, por ter sempre uma boa palavra para quem se cruzava com ela.

E tinha sempre paciência. E parecia ter tudo mais que uma pessoa possa querer na vida.

Um dia encontraram o carro dela com uma carta despedida dentro.

As estrelas - sóis - são corpos celestes, não são da terra. E Estrela, que sentia que tinha de iluminar as vidas dos outros, não permitia que a vissem com menos luz. Escondia o negrume dentro de si. Guardava-o tão bem guardado no centro secreto de si que começou a colapsar de dentro para fora, como se tivesse dentro de si um buraco negro.

Quando percebeu o que lhe acontecera, Estrela achou que se poderia estar a tornar ela mesma num buraco negro e temeu em breve começar  não só a desintegrar-se, mas também a atrair para si toda a matéria circundante que assim se colapsaria também. O seu negrume mentiu-lhe que corria o risco de ser a destruição dos colegas, dos amigos, da família. Dos filhos.

E achou que o negrume que a devorava secretamente poderia em breve começar a devorar os outros, a começar pelos que lhe eram próximos e queridos. e este pensamento era-lhe insuportável.

Não lhe ocorreu que as estrelas não são sem arestas, que brilham apesar do impacto de outros corpos celestes. Esqueceu-se que o seu brilho iluminava e aquecia a vida dos outros, mas que não era o único, que havia outras estrelas na mesma constelação e que o seu negrume era apenas seu, e que os outros à sua volta eram também corpos celestes (cometas, planetas e outros astros). e que também tinham força para a ajudar. que podia ser vulnerável e ter escuridão.

Perante a perspetiva aterradora de poder prejudicar as pessoas que tanto amava com o negrume que não suportava mostrar nem partilhar, e sobre o qual não sentia qualquer controlo, Estrela decidiu apagar o seu fogo nas águas do rio grande que atravessava todos os dias.

Como-se ao se apagar nas águas do rio, pudesse impedir o negrume de se alastrar.

E num dia triste de chuva, despediu-se da vida terrestre atirando-se de uma ponte alta para as águas fundas e conturbadas daquele rio. E o céu ganhou uma estrelinha nova que se vê ao longe, e que ao contrário dos seus receios mais íntimos, inconfessados, nunca estivera destinada a ser um buraco negro mas cujo brilho e calor se sentiriam para sempre.



1 comentário:

Anónimo disse...

"As pessoas não morrem, ficam encantadas"...evaporam suave na linda queda rumo ao Infinito...