quarta-feira, novembro 07, 2012

84 milhões de estrelas

A noite estava escura e riscavam os céus várias estrelas cadentes que choviam alegremente. Valentim gostava de ver as chuvas de estrelas sentado no alpendre de casa da avó, na aldeia onde acabava a estrada.

Olhava para as estrelas sem apontar para elas, porque não queria que lhe nascessem cravos nas mãos e os antigos diziam que os cravos nasciam nas mãos a quem apontava para as estrelas.

Gostava de imaginar o que estaria a acontecer àquelas estrelas que choviam. Estariam a viajar? Como se fossem bandos de aves, será que também havia estrelas migratórias? Na escola, Valentim tinha ouvido dizer que no hemisfério sul da terra se vêem constelações diferentes. Será que era porque as estrelas gostavam de trocar de lugar e também elas de viajar para sítios diferentes?

Será que as estrelas também gostavam de ver o mundo de diferentes ângulos? Passar uns tempos a ver a grande muralha da China e observar as vidas das pessoas que habitavam e passavam por aquelas paragens e depois mudar de perspetiva e observar a África subsariana?


Como será que as estrelas concediam desejos às pessoas e porque é que as pessoas pedinchavam sobretudo às estrelas cadentes, era uma coisa que fazia alguma confusão a Valentim.

Sentava-se no alpendre naquelas noites de verão, num banco largo de madeira que tirava da cozinha e depois encostava à parede para se poder encostar enquanto chupava o caule de uma flor amarela de um dos muitos vasos que a avó não tinha paciência para limpar de ervas daninhas.

Valentim era um rapaz algo solitário e de imaginação notoriamente ativa. Gostava mais que nada das estrelas e pedia sempre livros de astronomia e coisas relacionadas com o tema, nas festividades. Estrelas fosforescentes para o teto do quarto, um modelo do sistema solar que estava em destaque na sua secretária, um pequeno telescópio.

Os pais haviam-lhe prometido que se ele se portasse bem e tirasse boas notas o levavam ao planetário do Porto, a ver as estrelas explicadas.


Mas para Valentim, os mistérios das estrelas não se cingiam à sua localização. Porque Valentim, pequeno como era, sabia que ninguém consegue ao certo saber do paradeiro de todas as oitenta e quatro milhões de estrelas que já se conhecem e que constituem menos de 1% de todas as estrelas da nossa galáxia. E menos ainda dos outros 99% de estrelas.

As estrelas são tantas e tão grandes que ninguém, nem a pessoa ais inteligente do mundo, conseguem imaginar quantas são. E muito menos o que é que andam por aí a fazer.

Valentim deixava-se estar no alpendre, a sentir a brisa quente, a sentir o cheiro da terra seca e sedenta, no meio do canto dos grilos que cantavam em coro para as estrelas que dançavam ao som dessa música para todos.

E imaginava sempre destinos diferentes para as estrelas que amava. Imaginava que viajavam, que dançavam, que fugiam de algum demónio, que se tinham portado mal, que se desiquilibravam e caíam, que se atiravam para um lago invisível, que brincavam às escondidas e às caçadinhas.

As estrelas sempre lhe haviam parecido tudo menos aleatórias nos seus desígnios. E ia imaginando todos os motivos para os seus movimentos, criando explicações que divertiam e fascinavam os adultos com a sua originalidade e inocência.



1 comentário:

Octávio Miguel Félix disse...

sabe bem ler este texto