segunda-feira, maio 16, 2011

Catarina

Quando era uma principiante na arte do jazz recusaram a sua voz cristalina e surpreendente com base na interpretação. Disseram-lhe com sobranceria que "lhe faltava dor de corno para cantar jazz em condições".

Catarina saiu do clube pior que estragada. No auge dos seus 22 anos era dona de uma técnica vocal perfeita, fruto de anos e anos de estudo, de exercícios incontáveis, de aulas de conservatório, cursos livres dentro e fora do país e sessões de terapia da fala regulares.

Dominava a improvisação e tinha um ouvido fantástico que lhe permitia sempre perceber se e quem estava dentro ou fora de tom. Tinha swing, compreendia o ritmo como se fosse o bater do seu coração que se alterava quando ela outra pessoa dava o tempo. Conhecia os standards quase integralmente.

Tocava piano com mestria e percebia muito de todos os outros instrumentos, porque Catarina praticamente respirava o jazz e assistia a todas as jam sessions, aulas e concertos que podia. A sua própria entoação verbal era sincopada.

E fazia teatro, porque lhe tinham dito que a interpretação era fundamental no jazz.

Cantar no Hot Club era um passo natural nesta evolução fulgurante, digna das maiores honras académicas e prémios musicais.

E por isso, foi com indignação, mais do que com desânimo, que Catarina recebeu do grande especialista do clube a notícia de que o que ela era ainda não chegava para os padrões deles, quando gente "pior que ela" já lá tinha estado.

"Se quisesse ser uma desgraçadinha tinha-me dedicado ao fado", pensava com os seus botões tão zangados como ela.

E voltou à sua vida academicamente perfeita tão frustrada e revoltada com aquela injustiça, a primeira que sentia verdadeiramente queimar-lhe na pele, que começou a tornar-se na interprete e compositora que sempre estivera destinada a ser.

1 comentário:

Anónimo disse...

Minha querida,

Cada vez mais acho que as tuas "crianças" se assemelham aos "Quadros de uma Exposição". E, como sabes, porque já to disse, acho que um destes dias tens de arranjar entusiasmo para "orquestrar" todos estes quadros.

Beijocas...

do teu D. Quixote!!!
:-))