segunda-feira, março 14, 2011

Gisela

No princípio, a saudade doia-lhe com uma taquicardia aguda. Uma dor localizada no peito quando lhe faltava ela, quando sentia falta dela nos momentos mais inusitados.

No supermercado quando via uma coisa que lhe costumava comprar, quando lhe falavam de uma saída ou concerto e pensava como ela gostaria de ir, à noite, em casa, quando dormia só, quando conduzia no meio do transito, sem lhe telefonar para matar o tempo com as parvoíces cúmplices que tinham possuído em tempos.

Era como se lhe faltasse uma parte do corpo, por não ter o seu abraço. Deitava-se no sofá e aninhava-se nas costas fofas do móvel como se fora ela, nos piores momentos.

Sentia-se incompleta, amputada numa qualquer parte do corpo onde não era possível criar próteses.

E nenhum dia era pior que o Domingo.

Dava por si a fazer expressões de infelicidade, a sentir nada mais do que tristeza e reparava na delicadeza exacerbada das pessoas que lhe eram queridas que intuíam ou sabiam o que se estava a passar.

No princípio, a sua ausência deixava Gisela de rastos. A saudade fracturava-a de ponta a ponta e deixava-a imóvel, paralizada e cega.

Mas o tempo passou e o comportamento errático de Joana,  ora adesiva ora evasiva, prosseguiu.

Gisela teve momentos de raiva absoluta, mais contra si por permitir que a relação continuasse do que contra Joana que a menosprezava. Sentiu-se pequena, insignificante e perdeu um pouco do respeito que tinha por si mesma.

Zangava-se consigo mesma por sentir a falta dela. Por ceder às suas próprias fraquezas. Por gostar tanto dela que fazia de conta que não via os seus imensos defeitos, o pior dos quais claramente não gostar de Gisela o suficiente, embora a quisesse só para si.

À medida que o tempo foi passando, Gisela começou a interiorizar a dura verdade de que Joana não a amava nem nunca a iria amar, não obstante as suas promessas. Lentamente foi-se afundando nela a certeza de que era essa mesma miragem de amor e tranquilidade, de segurança e conforto, que a fazia ultrapassar os hábitos irritantes de Joana, ignorar as suas manias, o seu egoísmo e a sua arrogância absurdas, própria dos ignorantes a quem a vida ainda não marcou nem ensinou grande coisa.

Perguntava-se quanto tempo levaria a deixá-la definitivamente, já que já tinha terminado a sua relação mais vezes do que conseguia contar. De cada vez que reatavam sentia-se mais longe daquilo queria, menos feliz. Mas não resistia. E percebia que quando finalmente o fizesse teria de evitar Joana a todo o custo, que não podia estar mais com ela, porque Joana não era boa para Gisela e, não obstante, Gisela era absolutamente incapaz de lhe resistir.

Sem comentários: