segunda-feira, janeiro 17, 2011

Telma

Quis ser rápida com a entrega do dinheiro na bomba de gasolina e atirou a moeda e a nota que faziam a conta certa do valor em dívida.

E numa fracção de segundos, reparou como os objectos lhe saiam da mão de forma bruta, e sem consideração pela outra pessoa, quase num sinal de desprezo.

E parou.

Ela não conhecia a outra pessoa. Não tinha nada contra o senhor da caixa registadora.

Sentiu aversão pelo seu próprio gesto, pediu desculpa por ter atirado as coisas e deu o seu melhor sorriso.

Foi para ao carro perturbada. Profundamente inquietada por não reconhecer como seu um gesto impensado, questionou-se se estava a tornar numa dessas pessoas frias e frustradas.

Colocou o cinto de segurança e acendeu as luzes. Seguiu devagar para casa, tendo especial cuidado com os outros condutores e peões.

E pelo caminho perguntou-se o que é que se passava consigo que ultimamente se sentia menos ela mesma.

O semáforo ficou vermelho e ela parou, sem o ignorar como de costume. Tinha a mente vazia de pensamentos, mas sentia-se apreensiva e preocupada.

Verde. Seguiu o caminho.

E no momento em que deu o pisca para a sua rua, fez-se luz em si.

Quando alguém era especialmente mauzinho para ela, dizia para si mesma que a pessoa devia estar infeliz no amor, que a vida íntima não lhe devia andar a correr bem. E fez a relação consigo mesma. No espaço de tempo entre descer a sua rua e estacionar o carro, compreendeu que as atitudes que menos gostava em si ultimamente se deviam à forma como a sua relação com Jorge não estava a correr. E pensou em si como pensava nas tais pessoas "mazinhas" e "infelizes", que não eram más em si mesmas, tinham era falta de coragem de procurar o que queriam, de seguir com as suas vidas sem aquele cobertor de segurança, ainda que se tratasse de um cobertor fino e roto.

Puxou o travão de mão e disse-se que se havia coisa que não era, era cobarde.

Desligou o carro e as luzes.

Pausou brevemente antes de tirar o cinto de segurança e sair do carro.

Saiu, bateu com a porta, trancou o carro e decidiu que tinha de acabar a sua relação com Jorge naquele mesmo dia.

Pegou na chave de casa e ao rodá-la na fechadura, sentiu-se feliz por se ter re-encontrado.

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