sábado, janeiro 29, 2011

Elvira

Tinha muito mau feitio, Elvira. Sempre tivera.

Enquanto o marido fora vivo, tentara manter a vontade de mandar e a impaciência contidas, mas depois da sua morte, revelara-se a tirana que sempre fora em todo o seu esplendor.

Na sua casa era dona e senhora, imperatriz. e nada que não fosse na medida, forma e momento que ela determinava podiam acontecer.

Elvira sentia especial prazer no exercício do poder, embora não a procurassem para conselhos tanto quanto ela achava que lhe era devido. Então, tratava de dar a sua opinião acerca de tudo o que via, ouvia e presenciava, fosse ou não chamada para o assunto.

À medida que os filhos cresciam e saiam do seu domínio de força, começavam a decidir por eles, a pensar pela sua cabeça, crescia neles a saudade do pai a quem toda a autoridade e sabedoria eram reconhecidas e a aversão pelas opiniões rápidas e rombas da mãe que não reflectia sobre nenhum assunto muito  demoradamente, mas que era inevariavelmente contundente na forma de emitir juizos de valor.

Frequentemente faltava-lhe uma parte fulcral da história e acabava por ser injusta. Mas não saia jamais do seu pedestal nem da sua opinão pré-formada. Mesmo depois de conhecer a história restante.

Os filhos recordariam com mágoa, tareias imerecidas, castigos injustos, invasões de privacidade e espaço despropositadas. E todas estas situações Elvira consideraria normais.

Quando envelheceu foi ficando cada vez mais sozinha, pois insistia em não abandonar o seu orgulho e a sua teimosia, que foram quem mais companhia lhe fez nos últimos anos da sua vida, enquanto tinha conversas baixinho constantemente com o seu marido falecido, a quem fazia queixas de todas as situações que a incomodavam e sobretudo das pessoas que lhe eram mais próximas e que ainda a visitavam.

Dos outros ia perdendo memória.

Convenceu-se que a queriam roubar, que se queriam aproveitar dela. mesmo se eram os outros que lhe traziam alimentos, roupa e outros bens. E começou a desconfiar de todos. Azedou mais do que a solidão por si só tinha conseguido fazer.

Recusava ir para casa de quem quer que fosse pela desconfiança inusitada. Que a queriam envenenar também.

E os outros não tiveram força ou vontade de a contrariar.

Morreu enquanto dormia e a sua casa e todos os seus bens que guardava religiosamente ardiam, num incêndio provocado por uma vela descuidada.


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