( participação de Joana Vilaverde no concurso do mês de março da página de facebook do Personificcionar)
Respondia às mensagens de aniversário como quem come aos bocadinhos um chocolate muito bom e muito caro. Guardava os emails, mensagens de facebook, mensagens e o que mais pudesse, para mais tarde. Que as coisas boas consumidas todas no mesmo dia enjoam e às tantas já nem lhes sentimos o sabor, só as queremos despachar.
E uma boa conversa, uma boa palavra, era algo que Alice se recusava a despachar, por lhe parecer o pior dos desperdícios.
Então, respondia-lhes com calma e doçura, devagar, a conta gotas nos dias maus, em que tinha mais saudades das pessoas que não via com tanta frequência como gostaria. em que precisava de um abraço.
era um ritual lento e prazeiroso, de luas. Podia estar a responder a mensagens o ano inteiro, porque quem dá coisas boas, recebe coisas boas e era fácil obter respostas que começavam conversas, deixando ainda por responder, guardadas como se estivessem fechadas na embalagem, as mensagens restantes.
porque as pessoas esquecer-se-ão de quão depressa se fizeram as coisas, mas lembrar-se-ão de quão bem feitas foram.
Alice acreditava pouco em convenções sociais. A sua mente estava permanentemente "fora da caixa", como se vivesse sempre do lado de lá do espelho, e conseguia transformar qualquer sítio onde estivesse numa festa, num sofá com lareira à frente. num fim de tarde na praia.
E através dos seus olhos os outros viam-se mais bonitos, mais bondosos, melhores na sua condição humana.
Alice era perita neste jogo que podemos chamar de ilusionismo humano, mas que na verdade podia ser simplesmente a descrição de Thoreau daquilo que é a arte: não importa para onde se olha, o que importa é o que se vê.
E na arte da fotografia humana, Alice via o positivo.
e mostrava-o.
Porque a sua maior qualidade não residia na arte definida por Thoreau, mas por Degas: a arte não é o que se vê, a arte é o que se faz os outros verem.
E Alice conseguia quase sempre fazê-los verem-se pelos seus olhos: numa festa, num sofá confortável. num fim de dia na praia. Bonitos, bondosos, inteligentes e justos - como ela os via.
Do outro lado do espelho.
Porque um espelho tem tantos lados quantos os olhos que o vêem.
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