"Felicidade sou eu." era a piada que Felicidade Graça, professora de
Filosofia, gostava de dizer quando debatia o tema nas aulas.
E
por egocentrismo ou afinidade de nomes, este era também o seu conceito
preferido e a coisa que mais gostava de abordar nas aulas e até nas
conversas em geral.
Gostava que a busca da Felicidade
fosse o primeiro direito defendido pela Carta Universal dos Direitos do
Homem. Gostava que a Felicidade fosse o bem mais precioso que qualquer
pessoa pudesse almejar, sem que pudesse jamais ser comprada. E gostava
de debater o conceito com as mais variadas pessoas - embora os amigos já
a conhecessem de gingeira e por vezes virassem o bico ao prego, dizendo
"para mim, a Felicidade és tu!" - e até tinha um amigo que acrescentava
a graçola na mesma onda dizendo "e eu nunca hei de ficar sem mãe,
porque a minha mãe chama-se Esperança e toda a gente sabe que a
esperança é a última a morrer!"
Felicidade levava a
felicidade tão a sério que as suas angústias existenciais tinham sempre a
ver com se ela estava a dar o seu máximo, se estava a contribuir o
suficiente para a felicidade alheia (sim, esquecendo muitas vezes a sua
própria) - porque Felicidade acreditava que a felicidade suprema era
fazer os outros felizes.
E perguntava-se muitas vezes
se estava a dar o melhor de si, o seu máximo. E sabia que não - porque
ninguém nunca atinge o máximo das suas potencialidades.
E preocupava-se.
Ao
mesmo tempo, sabia-se insignificante, um grão de areia. E pensava: o
que acontecerá quando eu morrer? Quem se lembrará de mim? Será que eu
contribuí de alguma forma para fazer deste um mundo melhor?
Acalmava a sua angústia existencial dizendo que a vida se vive no presente, no aqui e agora.
No pretérito presente e no gerundio. No momento e no lugar em que se está e que se vai estando.
E
que isso representa uma escolha. aliás várias escolhas, porque cada opção
representa uma infinidade de outras opções que não se selecionou. É o
que se chama em Economia o "custo de oportunidade".
Por exemplo, não
adianta esperar que os outros se lembrem de nós quando nós desaparecemos por completo ou até quando simplesmente não
aparecemos com regularidade. Não significa que tenham deixado de gostar
de nós ou que a sua opinião acerca da nossa pessoa tenha mudado;
significa sim, que não estamos à mão de semear e que eventualmente deixaremos de ser lembrados.
E
inevitavelmente, com o girar do mundo, vamos deixando de estar e de ter
"à mão de semear" pessoas que são importantes para nós, seja porque motivo for. E que à medida
que o mundo vai girando, vamos percebendo que a "importância para os
outros" é uma coisa apenas circunstancial; acontece em dados momentos da
nossa vida que depois passam.
Mas que há pessoas que
nos marcam tanto que mesmo tendo deixado de ser importantes para nós no
nosso quotidiano presente, mantêm um lugar cativo nos nossos corações, por aquilo que connosco viveram ou viviam. E nós nos dos outros.
Porque
o passado pouco importa. É o presente, o presente gerúndio que conta.
Não é o que se fez. É o que se faz - e mais importante ainda, o que se
vai fazendo.
Porque insignificante não é o mesmo que zero.
E
por isso, Felicidade tinha momentos em que se contentava com a sua
pequenez e a forma como estava sujeita à completa aleatoriedade da vida.
E então, percebia que felicidade é o cheiro do pão quente, é a sombra
da árvore no jardim da biblioteca, é ver a ponte bonita de manhã, é
fazer festas aos cães, é ver o sorriso dos sobrinhos e responder às suas
perguntas, é dançar. é estar aqui, existir e ser grata.
"Felicidade sou eu."
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