domingo, fevereiro 10, 2013

Carolina

Carolina senta-se num banco alto no bar do hotel, senhora dos seus saltos muito altos e do seu vestido justo que deixa entrever um bocadinho pequeno daquilo que parece ser um soutein rendado e bonito.

Carolina está nos seus trintas, está em boa forma, e sobretudo tem um charme muito grande, com o seu perfume ligeiramente doce, olhos esfumados e forma de estar provocadora que já lhe é intrinseca e natural.

Cruza as pernas, pede um gin tónico com duas cerejas e começa lenta e determinada a varrer o salão com os olhos em busca de uma aventura, enquanto vai molhando os lábios com a bebida e brinca mais ou menos distraidamente com as cerejas, perfeitamente alinhadas num palito, com a boca.

Carolina sabe que tudo começa com uma troca de olhares, um olhar que se cruza e se fixa. Gosta especialmente deste jogo de sedução e de olhar descaradamente para homens que lhe agradam, esperando que sejam eles a desviar o olhar. Não lhe importa se estão acompanhados ou não: pelo contrário, isso apimenta o jogo e dá-lhe um gozo extra. Frequentemente, são eles que desviam o olhar apenas para logo a seguir retomarem o contacto, como que tomados de uma surpresa boa que querem confirmar se é mesmo verdade.

Carolina é uma provocadora nata. Sabe o que dizer e como, sabe o que fazer e tem gosto pelo risco.

A sedutora sabe provocar e esperar; fazer uma inocente deslocação à casa de banho ou à varanda - ou simplesmente pedir lume - para que o seu alvo a possa mais facilmente abordar; sabe que metade do caminho tem de ser percorrido pelo outro - embora esse caminho possa ser encurtado.

Para Carolina, metade da coisa está em fazer perceber que quer, fazer o outro tomar consciência desse desejo, depois dar-lhe a entender sem o dizer que está ao seu alcance; a outra metade, a de de facto querer, a de tomar a iniciativa de a abordar, a de se arriscar, depende apenas do outro e é a parte que ela não controla.

Depois desta barreira quebrada, o jogo continua: Carolina gosta de esticar a corda até ao limite, de ver até onde os homens são capazes de ir por ela.

Às vezes ganha, às vezes perde. Tudo faz parte deste jogo que Carolina gosta de jogar e que joga com mestria. Mas apenas quando está bem longe de casa.

Porque em Lisboa, onde vive, Carolina é uma respeitável e muito bem sucedida advogada de direito internacional, esposa dedicada e mãe babada de dois filhos pequenos.

Carolina é casada com Jorge, um pacato e confiável contabilista que a adora e lhe dá toda a segurança e afeto que ela pode desejar. É um marido exemplar, um pai extremoso e é o seu melhor amigo. Carolina não quereria estar casada com mais ninguém, nem confiaria em mais ninguém para criar os seus filhos com ela e tomar decisões conjuntas.

O amor que Carolina tem por Jorge é incomensurável e estaria perdida sem ele. Ele é indubitavelmente o seu companheiro de vida, a sua família.

Mas isso não é tudo na vida de Carolina. Porque a Carolina-esposa-e-mãe não matou a Carolina-sedutora-e-aventureira.

E por isso, quando sente a segurança de quem está bem longe de casa (geralmente em viagens de negócios), Carolina liberta a mulher fogosa e aventureira que não pode ser na casa segura, quentinha e de pantufas onde habita. e é lá fora que vive as aventuras mais incríveis que não pode contar a ninguém: a noite em que disse ao barman que para ir para a cama com ela eram mil euros e ele queria na mesma; a noite em que acabou num hotel e quando fez check out não sabia dizer nem o número do quarto, nem o nome da pessoa que o tinha pago; aquela vez em que se veio com os dedos mágicos de um italiano no quarto de banho de uma discoteca em Bordeaux; a aventura em Boston, com um estudante universitário australiano 12 anos mais novo.

As loucuras que comete são aliciantes e trazem-lhe muita satisfação imediata, mas são invariavelmente seguidas de periodos de remorso e culpabilização, o que faz com que ela seja ainda mais dedicada e atenciosa com o marido e a família quando volta. Faz com que redobre as suas atenções e mimos, com que traga sempre prendas e lembranças e tenha sempre mais paciência e tolerância com as coisas que a irritam. E faz com que consiga manter um casamento onde já existe muito pouca cama - que é agora apenas morna - com a mesma convicção há anos, reforçando de forma quase paradoxal a relação feliz que mantém volvida mais de uma década.

"A mãe vem sempre mais bem disposta das viagens", dizem com frequência. E quando passa dias ou fases mais irritadiça e rabugenta, chegam mesmo a dizer-lhe meio a brincar meio a sério que está a precisar de fazer uma viagem de negócios, "que é para sentir a falta deles e voltar com saudades".



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