sábado, setembro 15, 2012

Isabel

Isabel é perfeita. Talvez não seja perfeita. Mas é perfeita.

Isabel estica o cabelo todas as manhãs depois de um bom banho com esfoliante de algas e de pôr creme reafirmante em todo o corpo. Quando está em frente ao espelho a esticar o cabelo, Isabel já pôs creme na cara e pintou as unhas dos pés.

O cabelo de Isabel é longo e lustroso e dança-lhe nos ombros solidamente esculpidos em 2 horas de ginásio que faz todos os dias úteis da semana.

Isabel veste-se impecavelmente e pinta-se na medida certa. tem um aspeto cuidado sem ser postiço.

Quem olha para Isabel acha que ela é o máximo. Bonita e exótica, com o contraste do seu cabelo preto-carvão e os seus olhos cinzentos claros, a sua figura perfeita e escultural.

Isabel acumula ainda o facto de ser muito bem sucedida, de ter um trabalho prestigiante e bem pago que lhe permite fazer muitos spas e boas férias. Frequenta um healthclub muito caro, para onde vai impecavelmente vestida e arranjada.

Mas Isabel não é feliz.

Isabel tem tudo, menos um namorado. Na verdade, Isabel, aos 28 anos, nunca teve um namorado e nunca foi para a cama com ninguém.

O facto parece obtuso às pessoas que o conhecem, porque lhes parece absurdo que isso possa ser sequer possível.

Porque, para quem vê de fora, Isabel é perfeita.

Para Isabel a situação é desesperante. As pessoas falam com ela e perguntam-lhe amiudadas vezes pela sua vida amorosa, mas ela não tem uma resposta para dar. Sente-se pressionada por uma sociedade que vê aos pares e acha que se passa alguma coisa consigo, que deve ter algum problema.

Isabel sai muitas vezes à noite. Vai a discotecas bem frequentadas, vai a bares in e a locais cool. Vai ao ginásio, pergunta aos amigos se conhecem alguém solteiro e bem apanhado.

Às vezes questiona-se se o problema será do facto de ser virgem. Se levasse um gajo qualquer para a cama, só para se livrar da sua inexperiência, se isso lhe resolveria o problema.

Naturalmente, com alguma regularidade surgem homens interessados em Isabel, mas raramente esta lhes presta alguma atenção. Assim que um qualquer homem se aproxima dela, Isabel passa a ver-lhe apenas os defeitos e sente uma certa repulsa; adquiriu o hábito de apenas se interessar por homens-impossíveis, que não estão interessados ou que então são canalhas.

Mas como nunca deixa ninguém realmente aproximar-se, acaba por estar sempre sozinha.

E apesar de tudo, Isabel duvida muito de si mesma. Se será bonita, apesar das suas feições impossíveis. Se será atraente, apesar de tudo o que trabalha no ginásio. Se será interessante, não obstante tudo o que faz, tudo o que sabe, tudo o que gosta.

Questiona-se se está amaldiçoada, condenada a viver sozinha para todo o sempre.

Não percebe que o amor não se idealiza, aproveita-se. Não percebe que o amor não é lógico.

 E em todo este tempo em que esteve à espera, a idealizar o homem perfeito e todas as coisas incríveis que ele fará por ela (dedicar-lhe músicas na rádio, enviar-lhe flores, oferecer-lhe jóias...) esteve também a construir um muro entre si e os homens reais que surgem na sua vida, porque nenhum pode competir com esta imagem e muito rapidamente Isabel percebe isso mesmo em todos eles.

Nenhum é "the one", logo à partida.

Mas o que não é óbvio e que talvez o que Isabel não perceba é que nenhum homem poderá entrar na sua vida, porque ela já está apaixonada pela imagem de perfeição que construiu. Ela no fundo tem namorado.

E enquanto não romper com ele, nunca terá espaço na sua vida para mais ninguém.


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