(personagem construída para o Projecto Curta Metragem)
Ernesto chegou a casa mas não estava cansado. Sentou-se à mesa cheia de papéis e livros há uma quantidade de tempo indefinida. Notava-se que tinham sido depositados em cima da mesa em tempos distintos, frutos de ideias geniais repentinas a realizar a breve trecho, com potencialidades explosivas, mas que depois ia deixando no seu mar de "projectos até um dia" poeirentos, ultrapassados e claramente fora de tempo.
A pilha incluía recortes de revistas, livros seus, livros emprestados, livros da biblioteca fora de prazo, cartas pessoais, desenhos, decretos-lei, jornais e mesmo os insuspeitos restos mortais de um pacote de batatas fritas esquecidas no meio da bagunça.
O sofá de Ernesto estava também ele cheio de tralhas que foi acrescentando quando lhe faltou o espaço na mesa ou quando quis libertar a mesma para outros projectos ou mesmo para comer. Por cima de toda a tralha no sofá ficava sempre o casaco de onde por vezes fugiam as chaves que teimavam em se esconder nos labirintos insondáveis da sua tralha depositada no maple.
Sentou-se na cadeira encostada à mesa e serviu-se de um copo de whisky sem gelo e amargou.
Amargou os seus malditos 40 anos, velhos demais para ir para outro sítio, novos demais para se reformarem. o seu sucesso mediocre, alvo da inveja de outros escritores que tiveram de mudar de vida e traidor do potencial extraordinário que identificaram professores e pares toda a vida.
Ernesto trabalhava para a ficção nacional num lugar perfeitamente invejável para a maioria dos escritores e argumentistas portugueses.
Ganhava bem e até tinha contrato.
Arrendava uma casa mais por capricho que por falta de opção.
Tinha namoradas e casos a granel, já que possuía um charme e uma dose de intrepidez e inconsequência que o tornavam irresistível às mulheres.
E no entanto, neste momento da sua vida sentia-se um traidor, um vendido e um falhado, que nunca fez realmente jus ao seu potencial, nunca arriscou. Ernesto nunca iria ganhar um Oscar, um Emmy, um Pullizer ou o Nobel da Literatura, como em tempos sonhara. Nunca chegaria ao topo.
Adiou tanto assentar com alguém que sentia que fazê-lo agora seria quase contariar a sua natureza. Mas amargava nunca se ter entregue a ninguém, nem ter constituído família.
Sabia que não havia nada por que fosse lembrado nas gerações vindouras.
E isto, estes desejos frustrados de plenitude e imortalidade faziam-no amargar nos fins de tarde, agarrado ao seu copo whisky.
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