quarta-feira, agosto 31, 2011

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Maria e Alexandre conheceram-se na Faculdade e pouco tempo depois de terem começado a namorar estavam a morar juntos, contra todo o bom senso que lhes tinham impingido e nadando no sentido da corrente.

Começaram a viver em função um do outro no dia em que perceberam que não paravam de rir quando estavam juntos e juntos, apesar das suas respeitáveis licenciaturas em curso, aprenderam a cuspir fogo e foram inaugurar o Estádio do Braga no Euro 2004, aprenderam a andar de andas e faziam animação de rua. Trabalhavam juntos nos projetos de Maria, em Comunicação Social, trocando ideias para argumentos de curtas metragens e angariando amigos para as concretizar; trabalhavam juntos nos projetos de Alexandre em Psicologia, com críticas e ideias de melhoria.

Moravam na mesma casa e - mais que isso - viviam juntos.

Mudaram a vida toda um em função do outro sempre que a Vida assim o exigiu e aguentaram todos os bons e maus momentos que lhes surgiram. E nunca perderam de vista que - mais que nada - se amavam como amigos, se queriam como companheiros.

Quando casaram, Alexandre fez um discurso e comoveu todos, lembrando que não há "para sempres" mas que é possível ser finito, que ser finito não é saber o que o destino reserva, é navegar sem horizonte, é agarrar o que nos aparece e tentar tirar disso o melhor.

Continuaram a sua vida modesta de dinheiro e rica de tudo o resto, agarrando o que aparecia e tentando tirar disso o melhor. Nos bons e maus momentos, a vida a dois teve altos e baixos, mas nunca foi aborrecida.

E um dia, quando ainda eram ambos crianças no corpo de gente grande, passaram a ser três, com o nascimento de Jaime.




E o memorável discurso de Alexandre está aqui.

segunda-feira, agosto 29, 2011

Rodolfo

O coração é esse músculo desobediente a quem não importa o que o lhe mandam fazer, é o rebelde a quem não se pode mandar bater baixinho, estar sossegado. Porque tem a mania que é independente e faz o que quer.

E como não é racional, faz muitas asneiras. e às vezes faz as coisas grandiosas que só os audazes almejam.

Rodolfo chegou sem se anunciar porque vivia como quem sabe que a vida é uma queda livre, mas era capaz de apreciar a liberdade que isso lhe proporcionava, de sentir o vento na cara, apreciar a paisagem e perceber o próprio ritmo do seu coração no processo de ver o chão aproximar-se.

E por isso não tinha vergonha de pensar com o coração e sentir com o cérebro.

Conheceu Salomé muito antes de a amar e amou-a quando já não tinha tempo para o fazer, roubando-o a todos os cantinhos de coisas que podia e não devia.

Porque se o tempo corria em linha reta, rumo ao desconhecido inevitável, Rodolfo optava por viver em contra-relógio, numa entrega total a e em cada momento, bebendo a vida como se fosse um peixe e a respirasse, sofregamente, até a esgotar, na esperança de num último momento descobrir um novo tanque de H2O. de no último momento sentir um arnês segurá-lo, evitando a colisão frontal com o solo. Mesmo se à partida parecia que esta seria a sua última reserva. Mesmo se não se lembrava de estar a fazer bungee jumping em vez de queda livre.

Porque Rodolfo sabia que, independentemente das probabilidades, uma história não acaba até ao seu desfecho e que a Vida dá mais voltas que a Terra.