segunda-feira, setembro 03, 2012

Cá te espero

Para a Cá, a Larita, e o Paulinho. E as suas famílias.

A luz de Cá brilhava de forma quase palpável.

Os miúdos no Instituto Português de Oncologia têm frequentemente este tipo de brilho, uma luz que é deles por serem quem são, crianças, e uma luz que é deles porque a conquistaram, porque com frequência já olharam nos olhos a dor, o horror, o medo - deles e dos pais - e até a morte, e, apesar de tudo, não perderam a sua condição e inocência de crianças, e a sua capacidade de se maravilharem com o mundo todo.

Aos adultos, por vezes, o enfrentar a dor, o medo, a morte, marca de tal forma que se tornam incapazes de seguir vivendo, como se tivessem comido um prato muito condimentado e tivessem ficado sem sensibilidade nas papilas gustativas para mais nada. As crianças, com frequência, depois de encararem esses fantasmas, estão prontas para ir brincar com os legos, as bonecas, o puzzles, os desenhos.

Porque na sua infinita sabedoria, sabem que o mundo é muito grande, muito maior que elas, e que há muito para viver. Então, que sentido faz sofrer continuamente, depois de a dor ter passado? Depois de se ter olhado para o medo? De se ter tocado a morte e fugido, como se se tratasse de uma campaínha?

E a luz de Cá, a menina frágil e aventureira, capaz de sorrir nas condições mais adversas, brilhava de uma forma quase palpável.

Tinha cabelos compridos e sorria muito, quando começou os tratamentos no IPO. Era uma menina esperta e doce, com uma alegria genuína que contagiava as pessoas com quem lidava. Muito bonita.

Os tratamentos eram agrestes, mas Cá nunca perdeu o ânimo e nunca perdeu a doçura ou a luz com que brilhava de direito próprio. Pelo contrário, à medida que as suas pessoas (porque há pessoas que são nossas, como os pais, ou os irmãos, ou os amigos muito amigos) esmoreciam, Cá brilhava para lhes lembrar que valia a pena continuar, acreditar, viver, ter esperança.

E nunca deixou de brilhar.

Nem quando a doença ou os tratamentos lhe incharam a cara, lhe deram febre, a fizeram ficar mal-disposta, com dores em todo o lado, como que de castigo em isolamento, longe de casa, longe dos amigos, sem forças.

É difícil descrever a Cá-criança sem descrever a Cá-lutadora, guerreira. Porque todos os meninos do IPO são pequenos heróis. E às vezes a doença-guerra leva-os para longe, para um sítio de onde não regressam fisicamente.

E depois fica o vazio, um buraco impossível de preencher.

Mas isso não significa que a doença tenha vencido.

Porque há um segredo mágico que apenas os que lidam estas crianças sabem.

É que elas continuam vivas na luz com que nos impregnaram na sua passagem. E o sofrimento da perda é no fundo um preço pequeno a pagar, quando comparado com o privilégio imenso de se ter sido tocado por elas.


3 comentários:

Vânia Viana disse...

Que lindo Helena....a serio...muito tocante...espero que chegue beeem longe...no coração de TODAS essas crianças...e pessoas que passam por isso....Plin*

rvs disse...

Minha querida, esta é mais uma história e uma reflexão fantástica! As crianças são sem dúvida uma fonte de inspiração... São a prova de que o espírito vence a dor física ou até mesmo a morte. Recordamos uma criança sempre com um sorriso :)

xtrelinha* disse...

É por coisas como esta que tu foste a minha inspiração para me tornar voluntária da Acreditar!

Obrigada minha querida *